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08 de maio de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


2023 e o desafio de resgatar o propósito
Kelma Mazziero
Pensar em tarô é pensar em conexão. Isso não é diferente quando se está diante de um único arcano. Observamos a carta e, enquanto a observamos, cogitamos imaginativamente outras. Isso se dá porque há uma interdependência entre imagens e números, fazendo com que até a sequência de cartas tenha um significado e uma razão de ser.
O trabalho que analisa o arcano regente conta, em grande medida, com esse pensamento de conexão. É como seguir um roteiro que permite entendermos o passar dos anos de forma interligada, sem perder organicidade. Até porque, pensar em tarô é também pensar de forma narrativa. Logo, o arcano do próximo ano está conectado ao arcano do ano anterior e, consequentemente, aos arcanos dos anos futuros. Essa compreensão acontece inclusive na leitura oracular, onde normalmente se imagina a conexão entre as cartas de um jogo e uma história é contada em cada tiragem realizada. Não há pensamento avulso ou evento isolado, tudo nesse universo dialoga. É importante compreender o arcano regente do ano como uma peça que faz parte de um contexto mais amplo favorecendo essa conversa entre passado, presente e futuro.
6. Os Enamorados e 7. O Carro no Cosmic Tarot
2023 será um ano regido pelo arcano 7, o Carro. A soma dos números do ano (2 + 0 + 2 + 3) resulta no total que representa essa carta e que normalmente está associada a um significado: propósito. Usar esse termo como ponto de partida requer cuidado para que não se deslize em frases motivacionais ou interpretações reducionistas de algo que vai muito além de cultivar um pensamento positivo ou de insistir naquilo que se quer. O propósito requer ação contínua.
A carta do Carro vem na sequência da carta dos Enamorados, que indica liberdade de escolha. Sendo assim, é possível entender o arcano 7 como aquele que dá andamento à escolha realizada anteriormente. Pode ser quase impossível seguir em frente sem antes tomar uma decisão que direcione esse movimento. É por isso que o Carro não significa apenas a vontade de fazer acontecer. O Carro dá sequência a uma opção e sugere uma atitude firme o suficiente para seguir adiante apesar dos desafios. Aqui há outro ponto importante: não é porque alguém segue em frente que não irá se deparar com desafios. A diferença fica por conta da condição de bancar uma escolha e, motivado por ela, agir na direção almejada ainda que surjam problemas. A ação contínua é exigente, desafiadora, não é uma trajetória talhada apenas de sucessos. Força de vontade é a dignidade ante o desafio e não algo que elimina magicamente os obstáculos.
A transposição desse conceito para um entendimento coletivo – que contribua para encarar 2023 – remete à importância de seguir adiante consciente das próprias escolhas. Seja na vida material, no comportamento, nos afetos ou na espiritualidade, este arcano nos convoca a bancar nossas próprias decisões. Caso essas decisões não tenham sido tomadas, pode ser difícil seguir para algum lugar, já que o caminho se forja na escolha feita. Aqui vale dizer que, mesmo nas situações impostas a decisão é necessária, ainda que seja decidir como irá se relacionar com o que o destino estabelece. Nem sempre as escolhas da vida se dão como num aplicativo de compras, onde as opções são múltiplas e óbvias. Na maioria das vezes, as escolhas emergem em situações nebulosas e convocam o indivíduo a se posicionar. Vale também dizer que nem sempre as opções traduzem um desejo ou um ideal. E é nessas circunstâncias que brota a chance de amadurecer e dar conta do caminho que vem em seguida, simbolizado pela carta do Carro.
Para se relacionar conscientemente com essa energia em 2023 será importante revisitar as próprias decisões e ganhar fôlego para seguir adiante com elas. Será importante revisitar o conceito de realização, de sucesso, de conquista. Em tempos de frases de comando que esperam resultados milagrosos somente a partir do próprio querer, esse arcano sugere que se tenha maturidade para aceitar que qualquer caminho terá obstáculo; por isso, as escolhas não devem se pautar em mais ou menos obstáculos, mas sim, naquilo que carrega verdadeiro significado para o indivíduo. Sem esse significado a condição de enfrentamento perde sentido conforme os desafios vão surgindo. Segurar as rédeas da própria vida, como a imagem do arcano demonstra, não se trata de ter o controle sobre a vida. Se trata de ter o controle de si mesmo ante uma vida surpreendente, desafiadora e rica em possibilidades.
Pode ser um ano importante para dar andamento a situações estagnadas, para superar problemas complexos, para desenvolver um potencial (em qualquer âmbito), também para levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Mas tudo isso estará atrelado a decisões e escolhas anteriores, que desafiam a noção de responsabilidade de quem se dispõe ao enfrentamento.
Ao longo do processo de escolha, enfrentamento e ação contínua, poderão intervir atitudes impulsivas, momentos megalomaníacos, resoluções movidas a ansiedade, posicionamentos unilaterais, conclusões apressadas, atos de intolerância ou impaciência. E, em se tratando de interpretação para o coletivo, todos esses aspectos (os interessantes e os não tão interessantes assim) permearão o cotidiano. Daí a importância de se estar atento para não tropeçar na necessidade de vencer a qualquer custo, na vontade de se provar excessivamente ou de confundir a expectativa dos outros com nossas próprias opiniões. Quando o outro determina quem sou e sobrepõe sua verdade à minha, acontece a dissolução no sentido de propósito.
O propósito não é um produto que se adquire com um comando mental ou externo. Não basta visualizar a imagem de alguém cruzando uma linha de chegada com os dizeres “você quer, você consegue”. Na carta do Carro está a compreensão de que o propósito é um vetor de significado, que só se constrói sobre a estrutura das escolhas conscientes. É por isso que o tarô não é unicamente uma ferramenta que permite a prática oracular, mas um instrumento que possibilita repensar significados fundamentais para um viver integrado à realidade de cada indivíduo. Um ano representado pelo Carro é um ano que faz emergir a relevância do propósito e nos dá a alternativa de sair do óbvio, da pressa e das fórmulas mágicas, para alcançarmos uma conexão com nossa realidade. E não, não nos exime de problemas, mas contribui para um posicionamento digno ante esses problemas. 2023 pode ser uma continuidade de 2022 - as conexões já mencionadas - e é a antessala de 2024, momento em que precisaremos da cautela sóbria após caminhadas intensas ou conquistas arduamente alcançadas.
A vida é narrativa, é conexão. E no tarô as coisas se dão dessa mesma forma. Nesse contexto, em 2023 valerá a reflexão: não é porque posso, que devo. Mas, se devo (e verdadeiramente quero), que esse dever tenha um propósito. E, por ser propósito, que me represente para que eu possa enfrentar minha jornada com dignidade.
Um bom ano para todos nós.
Kelma Mazzierowww.kelmamazziero.com
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