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23 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Papai Noel, o Mágico endiabrado
Abelard Gregorian
 
O personagem Papai Noel “foi inspirado em São Nicolau, arcebispo de Mira na Turquia, no século IV. Nicolau costumava ajudar, anonimamente, quem estivesse em dificuldades financeiras. Colocava um saco com moedas de ouro na chaminé das casas. Foi declarado santo depois que muitos milagres lhe foram atribuídos. Sua transformação em símbolo natalino aconteceu na Alemanha e daí correu o mundo inteiro”. Wikipédia.
São Nicolau era originalmente retratado com trajes de bispo, enquanto o Papai Noel moderno é apresentado como um homem rechonchudo, alegre e de barba branca trajando vestes vermelhas com bainhas brancas. Essa imagem – informa o texto na Wikipédia – “se tornou popular nos EUA e Canadá no século XIX devido à influência da Coca-Cola, que na época lançou um comercial do bom velhinho com as vestes vermelhas. Essa imagem tem se mantido e é reforçada por meio da mídia, como músicas, filmes e propagandas”.
 
St Nicholas
 
Santa Claus na versão Coca-Cola
São Nicolau, arcebispo nos primeiros
séculos do cristianismo, e o seu substituto
moderno, o Papai Noel Coca-Cola
 
A partir desse cenário, como poderíamos traduzir o Papai Noel pelas cartas do tarô? As respostas serão paradoxais caso se considere São Nicolau, o santo cristão, ou o Santa Claus anglo-americano, agora obeso e com trajes associados ao famoso referigente.
Robert Place, por exemplo, autor do Tarô dos Santos escolheu São Nicolau para representar a carta 1. O Mago. E justifica sua escolha: “O primeiro trunfo representa um malandro, mas, nos baralhos modernos, o seu papel se transformou no do mágico – um realizador de milagres. Todos os santos têm sido associados a milagres, pois é um dos requisitos para a canonização. Por isso, com tantos santos para escolher, é difícil decidir por um. Entretanto, São Nicolau é particularmente conhecido pelos milagres que realizou durante a sua vida”. Como inspirador da figura do Papai Noel tornou-se “um dos mais conhecidos e amados de todos os santos”.
Não podemos esquecer, contudo, que quase um século após a adoção da versão Coca-Cola do Papai Noel são raras as pessoas que ainda se lembrem do santo católico associado às comemorações do nascimento de Cristo. O generoso Santo Nicolau foi substituído pelo simpático, porém consumista personagem de vestes vermelhas.
Pelo encantamento que desperta em suas encenações, pelo colorido de sua apresentação, o Papai Noel pode ser associado ao Mágico do tarô clássico. O prestidigitador é mestre no faz-de-conta, um especialista no entretenimento festivo.
O Magico no Tarô dVisconti Sforza- 1450     O Prestigitador no Tarô de Jean Dodal - 1710     O Mago no Taro dos Santos de Robert Place
O Prestidigitador ou Mágico, arcano 1 do tarô em três figurações:
Visconti Sforza (1450), Jean Dodal (1710) e Robert Place (2001 - Tarô dos Santos)
O velho Papai Noel também pode ser associado ao velho Eremita do Tarô. São parecidos exteriormente pela idade e pelas barbas brancas. No entanto, as oposições entre os dois personagens são muito evidentes. Papai Noel está voltado para a diversão, para o “ho, ho, ho” extrovertido, trazendo consigo presentes materiais, que carrega num saco às suas costas. Essa tendência já se mostra evidente no século XIX, como exemplifica a gravura de Thomas Nast, difundida a partir de 1881.
O Eremita, ao contrário do chamativo Pai Noel contemporâneo, é reservado, e como seu próprio título sugere, está entre os mais despojados símbolos do tarô. Trata-se de um velho mestre, de um religioso sóbrio, portador da luz para nos despertar de nossos sonhos.
O Eremita no Tarô de Oswald Wirth Ilustração de Santa Claus por Thomas Nat, em 1881. Santa Claus em sua versão Coca-Cola
O Eremita no Tarô de Oswald Wirth; Santa Claus (ao centro) na ilustração de Thomas Nast (1881)
e, à direita, sua versão atual retocada com as cores do Papai Noel Coca-Cola.
Um senão muito importante: o ponto mais discutível na encenação comercial do Papai Noel é o empenho forçado de levar as crianças a acreditarem que se trata de um personagem real. Isso seria totalmente dispensável, se levássemos em conta que as crianças se encantam com as histórias tradicionais, com o teatro, sem a necessidade de serem convencidas que as histórias de fadas sejam verdadeiras. As lendas e os contos tradicionais são criações que não precisam passar por reais a fim de que tenham efeito educacional e psicológico sobre as crianças.
Uma pergunta, então, se impõe: que intenções estão por trás do empenho de fazer o Papai Noel passar por real? Qual a razão para isso? O problema dessa atitude é que a ficção será revelada um dia, para o desapontamento dos inocentes que tomaram essa história a sério. Esse decepção, poderá se tornar um reforço ao materialismo moderno, pois prova logo cedo que aquilo que os adultos propõem como verdade não passa de encenação.
A partir do ângulo particular em que estamos a examinar as relações do Papai Noel com o as cartas do tarô, a melhor associação parece ser com o Diabo, visto o aspecto sedutor e envolvente do arcano XV.  Seu nome vem do grego “diabŏlus”, o que desune. Ele, porém, tal como acontece com a propaganda comercial, nunca obriga ninguém a fazer isso ou aquilo, a comprar este ou aquele produto: apenas seduz, desperta desejos. O sedutor, aliás, é a figura central nos templos de consumo – os shoppings – durante a época natalina.
O Diabo no Tarô de Marselha-Camoin Cool Santa Claus O Diabo por Yuancross
O Diabo no tarô de Marselha-Camoin; um Papai Noel no embalo (Cool Santa Claus)
e a recriação da carta 15, o Diabo, por Yuancross.
Do ponto de vista tradicional, o Diabo é o personagem chave na queda das criaturas e no seu afastamento da fonte divina. Nesse sentido, ninguém se mostraria mais competente que esse exímio sedutor para substituir a aura de São Nicolau, o santo da compaixão pelos carentes, por uma figura badalada e focada no impulso consumista da era moderna.
No mundo de hoje o religioso, o transcendente, foi substituído pelo imediatismo material. O Papai Noel tornou-se o ocultador da qualidade religiosa representada por São Nicolau. Afasta cada vez mais as fontes espirituais da celebração do nascimento de Cristo e, com sucesso, torna-se um excitador das trocas materiais e do consumo.
Por certo, isso tudo não é “culpa” de alguém em particular. Trata-se, simplesmente, de mais um sinal dos tempos!
Contato com o autor:
Abelard Gregorian - gregorian.abelard@gmail.com
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