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28 de março de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Da Morte e da Torre ou o medo é uma questão de escolha
Emanuel J Santos
 
Conversando com colegas, me deparo, por vezes, sobre qual desses dois – Morte e Torre – seria o Arcano mais infausto. Há quem tenha verdadeiro pavor do Arcano XIII. Outros, o desejam. Alguns, por sua vez, temem absurdamente o Arcano XVI. Há, contudo, quem também o deseje. Não há (ainda bem) consenso sobre isso.
Mas, por quê? Nunca vi ninguém se importar de sair uma Imperatriz num jogo. Ou o Universo.
Quando se trata do Enforcado, da Morte, do Diabo, da Torre e da Lua, existem defensores do seu lado luminoso. Raramente vejo pessoas que se dediquem ao lado sombra dos Arcanos agradáveis, desejados.
Como, antes de reflexão, Tarô é evidência – a reflexão brota da observação da imagem (interpretação axial), do conceito (interpretação secundária) e da numeração (que, dadas as possibilidades, ocupa lugar terciário nessa proposta), seria pressuposto que partíssemos da imagem para a análise dos conceitos. Embora em relação à Torre isso seja possível, em relação à Morte não é.
A Morte no Tarô Visconti Sforza   A Morte no Tarô Charles VI   A Morte no Tarô Dodal   A Morte no Tarô Waite
Cartas da Morte. Da esquerda para a direita: Tarô Visconti Sforza (1440), Tarô Charles VI ou
Gringonneur (1455), Tarô Dodal (anterior ao Marselha - 1710) e Tarô de Waite (1910)
legenda cinza
As imagens do Arcano XIII variam: no Visconti-Sforza, é um esqueleto portando um arco; nos baralhos inspirados em Marselha, é um esqueleto portando uma foice; e no Rider-Waite, é o Cavaleiro do Apocalipse correspondente, portando um estandarte. Imagens diferentes para o mesmo conceito, que fica implícito no Tarô de Marselha: essa é a única carta sem nome.
Tarô de Jean Noblet   Vandenborre Bacchus Tarot   Gumppenberg Lombardo Tarot   Soprafino Tarocco
Cartas da Torre. Da esquerda para a direita: Tarot Jean Noblet (1650); Vandenborre Bacchus
Tarot (1780); Tarocco Lombardo de Gumppenberg (1810): Soprafino Tarocco (1830)
No caso da Torre, as variações são mínimas. Entre os baralhos históricos, conheço apenas dois que fogem à proposta iconográfica de uma torre fulminada por um raio: Vandenborre Bacchus www.albideuter.de], onde uma árvore é partida por um raio, com o título La Foudre (o relâmpago); e o Tarô Lombardo de Gumppenberg [www.albideuter.de], que possui apenas a torre, sem raios. As variações, nesse caso, se dão em relação aos títulos atribuídos: Torre, Torre Fulminada, Casa de Deus.
Partiremos, portanto, dos títulos, correlacionando com as imagens, tendo por referência os Tarôs Clássicos. Creio que tal reflexão seja também aplicável aos baralhos contemporâneos, mas não me focarei nelas, nessa ocasião.
Refletindo sobre a Morte
Por um momento, esqueça a imagem. O que significa a morte para você? Pense no conceito de forma geral, não no Arcano em particular. Certamente virão à tona diversos aspectos ligados à sua criação, ao seu caminho pessoal até o momento e, certamente, ligados às suas crenças escatológicas. Nada disso, imediatamente, é importante. Pense bem, são crenças, não fatos. O que existe de fato sobre a Morte? 1. Todos, irremediavelmente, morreremos. A Morte é a única certeza da vida. 2. Não sabemos previamente quando iremos morrer. Ainda que, por vezes, tenhamos prognósticos, sobretudo médicos.
Sendo uma certeza, o que leva a Morte a ser tão apavorante? Sua inexorabilidade, para alguns. Mas também é inexorável amadurecer, e nem por isso tememos tanto. A questão é: vemos, todos os dias, exemplos de pessoas que amadureceram bem, pessoas que se acabaram no processo, pessoas que querem viver mais, pessoas que não aguentam mais viver. Sendo a Morte um fim, como poderemos ter referências do Outro Lado (se é que ele existe), senão por meios religiosos? Vemos as pessoas morrerem, mas não sabemos, ao certo, o que acontece no post-mortem, exceto com o corpo, que apodrece e fede a olhos (e demais sentidos) vistos. Não temos comprovação da vida após a morte. Ainda assim, morremos. Isso dá um certo medo.
Calvin e Haroldo
Calvin e Haroldo - criação de Bill Watterson
O que temos por imagem da Morte são reflexões artísticas. Esqueletos e Anjos compõem um mesmo cenário, por vezes desolador, por vezes de grande tranquilidade. Seu instrumento pode ser tanto o arco – de Apolo, o Deus da Morte Súbita com suas flechas de prata – quanto a foice, que separa Alma e Carne no momento da colheita.
Reflexões sobre a Torre
Já a Torre merece um olhar mais acurado. Enquanto a Morte é uma certeza, a Torre é um evento. Depende de circunstâncias favoráveis para que ocorra. Depende de um raio.
Raio na Torre Eiffel
Raio na Torre Eiffel
www.pt.wikipedia.org/wiki/Raio
 
Conforme a Wikipédia, um raio é uma descarga elétrica que se produz pelo contato entre nuvens de chuva ou entre uma destas nuvens e a terra. A descarga é visível a olho nu, com trajetórias sinuosas e de ramificações irregulares às vezes com muitos quilômetros de distância até o solo. Este fenômeno produz um clarão conhecido como relâmpago e também uma onda sonora chamada trovão.
A característica que mais se aplica à nossa análise, aqui, decorre do fato de o raio procurar o caminho mais curto entre o céu e a terra. Torres ganham fácil nesse sentido, já que suas plantas privilegiam a verticalidade.
Ninguém constrói uma casa pensando nos eventos que ocorrerão a partir da construção. À medida que os eventos ocorrem, se adapta o imóvel a eles. A menos que se tenha referências prévias a eventos ocorridos com outrem, ninguém pensa nisso. Não se colocam grades em uma casa sem que haja histórico de roubos. Não se constroem muros altos sem que haja sensação de insegurança. Medidas de segurança são tomadas para sanar lacunas causadas por medos preexistentes.
Ok, nos preparamos para o esperado. Mas, e em relação ao inesperado? Se nunca vimos um raio destruir uma construção, que mal existe em construirmos uma torre alta? Até que tenhamos
a experiência, não hesitaremos em criar estruturas cada vez mais altas. Que, paradoxalmente, nos aproximarão cada vez mais de uma tragédia iminente e imprevisível.
E é aí que entra o real medo da Torre. É impossível saber quando e onde o raio vai cair, ainda que sejamos capazes de reconhecer todos os elementos que o geram na atmosfera. Só podemos nos preparar para o evento, com o risco dele nunca acontecer. Ou, da mesma forma, podemos não nos preparar coisa nenhuma.
Viver é um risco, mesmo...
Considerações finais
Frente ao exposto, podemos considerar duas coisas quanto aos Arcanos elencados: a Morte é mais fácil de lidar, porque nos deparamos com ela o tempo todo de nossas vidas. Contudo, ser mais fácil não significa ser mais palatável, já que sua inexorabilidade expõe descaradamente a finitude de nossas ações. Tudo está fadado a terminar, ainda que não saibamos o que virá após o fim, ou mesmo se algo virá após o fim.
Quanto à Torre, será sempre um mistério se a encararemos algum dia. Poderemos – ou não – vivenciar seus eflúvios: tudo dependerá de reunirmos os fatores necessários para a existência e o fulminar do raio. Contudo, esperar por esse evento é tão ou mais sofrível que de fato vivenciá-lo. A ansiedade pelo pior pode ser mais destrutiva que a catástrofe superada. Existem venenos – e eventos – que é melhor beber de um trago só.
Ambas as cartas falam de superação do medo. A primeira, do medo do inexorável; a segunda, do medo do inesperado. Que nos preparemos para enfrentar ambas as possibilidades sem medo.
agosto.12
Contato com o autor:
Emanuel J Santos - Historiador e Cartomante
Responsável pelo blog Conversas Cartomânticas:
www.conversascartomanticas.blogspot.com

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