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24 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Arcanos Menores: + ESTUDOS
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OS ELEMENTOS
    Jean Chevalier e Alain Gheerbrant,
in Dicionário de Símbolos
Compilação de Constantino K. Riemma
 
    Para as tradições ocidentais, os elementos são em número de quatro: a água, o ar, o fogo, a terra. Eles não são irredutíveis entre si e transformam-se uns nos outros, com um rigor semelhante ao do raciocínio matemático. Por isso, no Timeu, de Platão, a teoria dos elementos está ligada à das Idéias e dos Números, como também à da Participação, que está no âmago da dialética platônica. Cada um desses elementos subdivide-se em variedades, segundo as medidas da participação e das misturas. Assim sendo, pode-se distinguir três espécies de fogo: a chama ardente, a luz e os resíduos incandescentes da chama. Havia um quinto elemento que se podia ligar tanto ao ar quanto ao fogo: o éter.
    Cada elemento age como condutor para uma outra realidade que não é a sua. A imagem do ar, por exemplo, está na base da psicologia ascensional, que, por sua vez, tem seus contrários no alçar vôo e na queda.
    De igual modo os quatro elementos correspondem aos temperamentos: a água ao fleumático ou linfático, a terra ao melancólico ou bilioso, o ar ao sangüíneo, o fogo ao colérico ou nervoso.
    Bachelard descreve os elementos como “hormônios da imaginação”, que acionam grupos de imagens. Ajudam a assimilação íntima do real disperso em suas formas. Através deles efetuam-se as grandes sínteses que dão qualidades regulares ao imaginário.
    Assim, o ar imaginário, em particular, é o hormônio que nos faz crescer no sentido psíquico.
    A psicologia moderna retomou a distinção tradicional entre os princípios ativos e masculinos, ar e fogo, e os princípios passivos e femininos,água e terra.
    As variadas combinações desses elementos e de suas relações simbolizam a complexidade e a infinita diversidade dos seres ou da manifestação, bem como sua perpétua evolução de uma combinação a outra, conforme a predominância de um determinado elemento.
 
Os humores e suas correspondências elementais e astrológicas.
 
    No plano interior e espiritual, igualmente, a evolução psíquica se encontra evocada pela valência de condutor própria a cada elemento. O fogo é muitas vezes considerado como o elemento motor, que anima, transforma, que faz com que evoluam de um para outro os três estados da matéria: sólido (terra), líquido (água), gasoso (ar). O ser de fogo simboliza o agente de toda evolução.
    Os elementos estabelecem uma ligação entre a astrologia e a antiga doutrina dos grandes filósofos (Pitágoras, Empédocles, Platão, Aristóteles...), segundo a qual os diversos fenômenos da vida estão sujeitos às manifestações dos elementos, que determinam a essência das forças da natureza que, por sua vez, realiza sua obra de geração e de destruição por meio desses elementos: a Água, o Ar, o Fogo e a Terra.
    Cada elemento surge da combinação de dois princípios primordiais: a Água procede do Frio e do Úmido; o Ar, do Úmido e do Quente; o Fogo, do Quente e do Seco; e a Terra, do Seco e do Frio. Cada um deles é representativo de um estado: líquido, gasoso, ígneo e sólido.
    Cada um deles está relacionado a um conjunto de condições dadas à vida, numa concepção cíclica. Assim, tem-se uma ordem quaternária da natureza, dos temperamentos e das etapas da vida humana:
  • inverno, primavera, verão e outono;
  • da meia-noite ao nascer do sol; do nascer do sol ao meio-dia; do meio-dia ao poente; do poente à meia-noite;
  • fleumático ou linfático, sangüíneo, melancólico ou bilioso, colérico ou nervoso;
  • infância, juventude, maturidade, velhice;
  • formação, expansão, culminação, declínio etc.
        As operações da alquimia, da astrologia e das disciplinas esotéricas repousam na base desses valores universais.
        Na iniciação maçônica, o Recipiendário começa por sair da Terra. Em seguida, ele é sucessivamente purificado pelo Ar, pela Água e pelo Fogo. Liberta-se, de escalão em escalão, da Vida material, da Filosofia e da Religião e, por fim, consegue chegar à Iniciação pura.
    Elementos
    Partes do
    Ser humano
    Etapas
    Naipes do
    Tarô

    Fogo
    Espírito
    Iniciação
    Paus
    Água
    Alma
    Religião
    Copas
    Ar
    Mente
    Filosofia
    Espadas
    Terra
    Corpo
    Vida material
    Ouros
        Os elementos são conceitos básicos na astrologia tradicional: ao elemento Fogo corresponde o ardor e o entusiasmo; ao elemento Água, a sensibilidade e a emotividade; ao elemento Ar, a intelectualidade; ao elemento Terra, a materialidade. As correspondências zodiacais com os elementos são as seguintes:
        Fogo: Áries, Leão. Sagitário;
        Água: Câncer, Escorpião, Peixes;
        Ar: Gêmeos, Libra, Aquário;
        Terra: Touro, Virgem, Capricórnio.
  • A realidade aparente sendo puramente ilusória, não tem nenhuma materialidade – é o elemento ar.
  • Aquele que envereda pelo caminho da perfeição (tarik) e pretende prosseguir nele terá de principiar, portanto, por queimar dentro de si as imagens dessa realidade ilusória (elemento fogo).
  • Graças a isso, ele começará a apreender a divina e única realidade, inicialmente no que ela tem de mais fluido e impreciso – elemento água.
  • E, por fim, ele conseguirá fundir-se na total e única realidade, o Hak, a divindade, a única verdadeiramente sólida – elemento terra.
        Os quatro elementos são representados tradicionalmente por linhas com variações ornamentais em torno do tema central:
    Água - ondas:  
    Ar - volutas:  
    Fogo - relâmpagos:  
    Terra - quadrados:  
        Os triângulos e os quadrados, associados aos elementos fogo e terra, remetem à simbólica dos números três e quatro, e ajudam, principalmente, a compreender o valor masculino ligado ao número três, e o valor feminino ligado ao número quatro.
        
    Fogo  (Paus)
        
         O simbolismo do fogo encontra-se resumido na doutrina hindu, que lhe confere fundamental importância. Agni, Indra e Surya são os fogos dos mundos: terrestre, intermediário e celeste, ou seja, o fogo comum, o raio e o Sol. Além disso, existem outros dois fogos; o da penetração ou absorção (Vaishvanara), e o da destruição (outro aspecto do Agni).   
        Segundo o I Ching, o fogo corresponde ao sul, à cor vermelha, ao verão e ao coração. Essa última relação, aliás, é constante, quer o fogo simbolize as paixões (principalmente o amor e a cólera), quer simbolize o espírito (o fogo do espírito, que é também o sopro e o trigrama Li) ou o conhecimento intuitivo a que se refere a Gita.  
        A significação sobrenatural do fogo estende-se das almas errantes (fogos-fátuos, lanternas do Extremo Oriente), até o Espírito divino. Brama é idêntico ao fogo.
        O símbolo do fogo purificador e regenerador desenvolve-se do Ocidente ao Japão. A liturgia católica do fogo novo é celebrada na noite de Páscoa. A do Xinto coincide com a renovação do ano. Há, ainda, as línguas de fogo de Pentecostes. O papel do ferreiro segue a direção do alquimista, que fabrica a imortalidade na chama de seu fornilho, e até mesmo, acreditam os chineses, no fogo do cadinho interior, que corresponde, pouco mais ou menos, ao plexo solar e ao manipura-chakra, que os Iogues colocam sob o signo do Fogo. De resto, os taoístas entram no fogo para liberar-se do condicionamento humano, apoteose a propósito da qual não se pode deixar de evocar a de Elias, em seu carro de fogo. Além do mais, eles entram no fogo sem se queimar; e isso, permite-lhes chamar a chuva – bênção celeste – mas evoca, também, o fogo que não queima do hermetismo ocidental, ablução, purificação alquímica, simbolizada pela salamandra.
        O homem é fogo, diz São Martinho; sua lei, como a de todos os fogos, é a de dissolver (seu invólucro) e unir-se ao manancial do qual está separado. Seria preciso acrescentar a esses fogos purificadores o da China antiga, que acompanhava, nas entronizações rituais, o banho e a fumigação. Também não se pode deixar de mencionar o fogo dos ordálios (= prova judiciária feita com elementos da natureza e cujo resultado era interpretado como um julgamento divino; juízo de Deus).
        O Buda substitui o fogo sacrifical do hinduísmo pelo fogo interior, que é, ao mesmo tempo, conhecimento penetrante, iluminação e destruição do invólucro: Atiço em mim uma chama... Meu coração é a lareira, e a chama é o eu domado. Os Upanixades asseguram, paralelamente, que queimar pelo lado de fora não é queimar. Daí os símbolo da Kundalini ardente na Ioga hindu, e o do fogo interior no tantrismo tibetano.
        O aspecto destruidor do fogo implica também, evidentemente, um lado negativo e o domínio do fogo é igualmente uma função diabólica. A propósito da forja, deve-se observar que seu fogo é a um só tempo celeste e subterrâneo, instrumento de demiurgo e de demônio. A queda de nível é representada por Lúcifer, portador da luz celeste, no momento em que é precipitado nas chamas do inferno: Fogo que queima sem consumir, embora exclua para sempre a possibilidade de regeneração.
        Os inumeráveis ritos de purificação pelo fogo – em geral, ritos de passagem – são característicos das culturas agrárias. Com efeito, simbolizam os incêndios dos campos que se adornam, após a queimada, com um manto verdejante de natureza viva.
        O Fogo, nos ritos iniciáticos de morte e renascimento, associa-se ao seu princípio antagônico, a Água. A purificação pelo fogo, portanto, é complementar à purificação pela água, tanto no plano microcósmico (ritos iniciáticos), quanto no plano macrocósmico (mitos alternados de Dilúvios e de Grandes Secas ou Incêndios).
        A significação sexual do fogo está ligada, universalmente, à primeira das técnicas usadas para a obtenção do fogo: por meio da fricção, num movimento de vaivém – imagem do ato sexual.
        Podemos distinguir duas direções ou duas constelações psíquicas na simbologia do fogo, conforme a maneira como ele for obtido, isto é: por meio da percussão ou da fricção. No primeiro caso, o fogo aparenta-se ao relâmpago e à flecha, e possui um valor de purificação e de iluminação; ele é o prolongamento ígneo da luz. Puro e fogo, em sânscrito, são conceitos designados pela mesma palavra. Ao fogo espiritualizante relacionam-se os ritos de incineração, o Sol, as fogueiras de elevação e de sublimação, enfim, todo fogo que transmita uma intenção de purificação e de luz. Esse fogo opõe-se ao fogo sexual, obtido por meio da fricção, tal como a chama purificadora se opõe ao centro genital da sede matriarcal, e tal como a exaltação da luz celeste se distingue de um ritual de fecundidade agrária. Assim orientado, o simbolismo do fogo marca a etapa mais importante da intelectualização do cosmo, e afasta o homem cada vez mais da condição animal.
        Assim como o Sol, pelos seus raios, o fogo simboliza por suas chamas a ação fecundante, purificadora e iluminadora. Mas ele apresenta também um aspecto negativo: obscurece e sufoca, por causa da fumaça; queima, devora e destrói: o fogo das paixões, do castigo e da guerra.
        Nessa perspectiva, o fogo, na qualidade de elemento que queima e consome, é também símbolo de purificação e de regeneração. Reencontra-se, pois, o aspecto positivo da destruição: nova inversão do símbolo. Todavia, a água é também purificadora e regeneradora. Mas o fogo distingue-se da água porquanto simboliza a purificação pela compreensão, até a mais espiritual de suas formas, pela luz e pela verdade; ao passo que a água simboliza a purificação do desejo, até a mais sublime de suas formas – a bondade.
        
    Terra  (Ouros)
        
        Simbolicamente, a terra se opõe ao céu como o princípio passivo ao principio ativo; o aspecto feminino ao aspecto masculino da manifestação; a obscuridade à luz; o yin ao yang; Tamas (tendência descendente) a Sattva (tendência ascendente); e densidade, fixação e condensação à natureza sutil, volátil, à dissolução.
        Segundo o I Ching, a terra é o hexagrama K'un, a perfeição passiva, recebendo a ação do princípio ativo, K'ien. Ela sustenta, enquanto o céu cobre. Todos os seres recebem dela o seu nascimento, pois é mulher e mãe, mas a terra é completamente submissa ao princípio ativo do Céu. O animal fêmea tem a natureza da terra. Positivamente, suas virtudes são doçura e submissão, firmeza calma e duradoura.    
        É necessário acrescentar a humildade, etimologicamente ligada ao húmus, em direção ao qual a terra se inclina e do qual foi modelado o homem.
        A terra é a substância universal, Prakriti, o caos primordial, a prima materia separada das águas, segundo o Gênesis, levada à superfície das águas pelo javali de Vixenu; coagulada pelos heróis míticos do xintoísmo; matéria de que o Criador molda o homem. A terra é a virgem penetrada pela lâmina ou pelo arado, fecundada pela chuva ou pelo sangue, o sêmen do céu. Universalmente, a terra é uma matriz que concebe as fontes, os minerais, os metais.
        A terra é “quadrada”, determinada pelos seus quatro horizontes. O império chinês é também quadrado, dividido em quadrados e representado, no seu centro, pelo quadrado do ming-t'ang.
        A terra simboliza a função maternal: Tellus Mater. Dá e rouba a vida. Prostrando-se sobre o solo, Jó exclama: Nu saí do seio materno, nu para lá retornarei, identificando a terra-mãe com o colo materno.
        Identificada com a mãe, a terra é um símbolo de fecundidade e regeneração. Dá à luz todos os seres, alimenta-os, depois recebe novamente deles o germe fecundo. Seguindo a Teogonia de Hesíodo, a terra (Gaia) pariu até o Céu (Urano), que deveria cobri-la em seguida para fazer nascerem todos os deuses. Estes imitaram essa primeira hierogamia (hiero = sagrado, divino; gamia) , depois os homens, os animais; revelando-se à terra como a origem de toda a vida, foi-lhe conferido o nome de Grande Mãe.
        Há enterros simbólicos, semelhantes à imersão batismal, seja para curar e fortificar, seja para satisfazer a ritos iniciáticos. A idéia é sempre a mesma: regenerar pelo contato com as forças da terra, morrer para uma forma de vida, para renascer em uma outra forma.
        Das Águas, que também dão origem às coisas, distinguimos a terra, pelo fato de as Águas precederem a organização do Cosmo, e a terra produzir as formas vivas. As Águas representam o conjunto do que é indiferenciado, a terra, os germes das diferenças. Os ciclos aquáticos envolvem períodos mais longos que os ciclos telúricos na evolução geral do Cosmo.
        A terra fértil e a mulher são freqüentemente comparadas na literatura: sulcos semeados, o lavrar e a penetração sexual, parto e colheita, trabalho agrícola e ato gerador, colheita dos frutos e aleitamento, o ferro do arado e o falo do homem. Quando as mulheres grávidas atiram sementes nos sulcos enriquecem as colheitas, pois são fonte de fecundidade. Vossas mulheres, diz o Corão, são para vós como os campos (11, 223). Foi em um sulco semeado que, na primavera, Jasão uniu-se a Deméter (Odisséia).
        No Japão, a terra é simbolicamente carregada por um peixe enorme; na Índia, por uma tartaruga; entre os ameríndios, por uma serpente; no Egito, por um escaravelho; no sudoeste da Ásia, por um elefante etc. Os terremotos são explicados por movimentos súbitos desses animais geóforos, que correspondem a fases de evolução.
        A denominação de Terra Santa se aplica, para os judeus e os cristãos, à Palestina; mas é evidente que ela admite homólogos em outras tradições ou recebe outros nomes, tais como: Terra dos Santos, dos Bem-Aventurados, Terra de Imortalidade etc. Em todos os casos, trata-se de centros espirituais, correspondendo ao Centro do mundo particular a cada tradição, o próprio reflexo do Centro primordial ou do Paraíso terrestre. A isso podemos relacionar a Terra prometida, objetivo de uma busca que também é de ordem espiritual, e ainda a Terra negra (Kemi) dos egípcios, cujo caráter principal não deixa dúvida alguma. A Terra prometida é um dos pólos do espírito (Dante), como Canaã para os hebreus, Ítaca para Ulisses, a Jerusalém celeste para os cristãos... A Terra pura corresponde, para Platão, ao que imaginamos como a Terra Santa.
        Mas a terra definitiva não é estranha à das origens. Esta não abandona seu caráter sagrado. Assim, quando um grupo quer regenerar-se espiritualmente, pratica uma espécie de retorno à terra natal.
        Com esse caráter sagrado, esse papel maternal, a terra intervém na sociedade como garantia dos juramentos. Se o juramento é o elo vital do grupo, a terra é mãe o sustento de toda sociedade.
        Numa “psicogeografia” dos símbolos, em que a superfície plana da terra representa o homem como ser consciente; o mundo subterrâneo, com seus demônios e seus monstros ou divindades malevolentes, figura o subconsciente; os cumes mais elevados, mais próximos do céu, são a imagem do supraconsciente. Toda a terra se torna, assim, símbolo do consciente e de sua situação de conflito, símbolo do desejo terrestre e de suas possibilidades de sublimação e de perversão. É a arena dos conflitos da consciência no ser humano.
        
    Ar  (Espadas)
        
        O ar representa, como o fogo, um elemento ativo, masculino, ao passo que a terra e a água são considerados elementos passivos, femininos. Enquanto estes dois últimos símbolos são materializantes, o ar é um símbolo de espiritualização.
        O ar é o meio próprio da luz, do alçar vôo, do perfume, da cor, das vibrações interplanetárias; é a via de comunicação entre a terra e o céu.
        A trilogia do sonoro, do diáfano e do móbil é... uma produção da impressão íntima de alívio, de alijamento. Ela não nos é dada pelo mundo exterior. É conquista de um ser outrora pesado e confuso que, graças ao movimento imaginário, e escutando as lições da imaginação aérea, se tornou leve, claro e vibrante... A liberdade aérea fala, ilumina, voa.    
        O ser aéreo é livre como o ar e, longe, de ser evaporado, participa das propriedades sutis e puras do ar. O elemento ar, diz São Martinho, é um símbolo sensível da vida invisível, um móbil universal e um purificador.
        O elemento ar é simbolicamente associado ao vento, ao sopro. Representa o mundo sutil intermediário do céu e da terra, o mundo da expansão que, dizem os chineses, é insuflado pelo sopro (k'i), necessário à subsistência dos seres. Vayu, que o representa na mitologia hindu, está montado numa gazela, levando um estandarte que tremula ao vento, que se poderia identificar com um leque. Vayu é o sopro vital, o sopro cósmico, e se identifica ao Verbo que é, ele próprio, sopro. Os vayu são, no nível do ser sutil, as cinco funções vitais, consideradas modalidades do prana, o sopro vital.
        No esoterismo ismaelita, o ar é o princípio da composição e da frutificação, o intermediário do fogo e a água, o primeiro lam do Nome divino. Corresponde à função do Tali, a Alma universal, origem da frutificação do mundo, da percepção das cores e das formas, o que nos leva mais uma vez à função do sopro.
        
    Água  (Copas)
        
        As significações simbólicas da água podem se reduzir a três temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regeneração. Esses três temas se encontram nas mais antigas tradições e formam as mais variadas combinações imaginarias e, também, as mais coerentes.
        As águas, massa indiferenciada, reapresentando a infinidade dos possíveis, contêm todo o virtual, o informal, o germe dos germes, todas as promessas de desenvolvimento, mas de igual modo todas as ameaças de reabsorção.
        Mergulhar nas águas, para delas sair sem se dissolver de todo — salvo por uma morte simbólica — é retornar às origens, carregar-se de novo num imenso reservatório de energia e nele beber uma força nova: fase passageira de regressão e desintegração, condicionando uma fase progressiva de reintegração e regeneração (banho, batismo, iniciação).    
        Na Ásia, a água é a forma substancial da manifestação, a origem da vida e o elemento da regeneração corporal e espiritual, o símbolo da fertilidade, da pureza, da sabedoria, da graça e da virtude. Fluída, sua tendência é a dissolução; mas, homogênea também, ela é igualmente o símbolo da coesão, da coagulação. Como tal, poderia corresponder a sattva; mas, como escorre para baixo, para o abismo, sua tendência é tamas; como se estende na horizontal, sua tendência é ainda rajas.
        A água é a matéria-prima, a Prakriti: Tudo era água, dizem os textos hindus; as vastas águas não tinham margens, diz um texto taoísta. Bramanda, o Ovo do mundo, é chocado à superfície das Águas. Da mesma forma, o Sopro ou Espírito de Deus, no Gênesis, pairava sobre as águas. A água é Wu-ki, dizem os chineses, o Sem-Crista, o caos, a indistinção primeira. As Águas representam a totalidade das possibilidades de manifestação e se dividem em Águas superiores, que correspondem às possibilidades informais (indeterminadas); e Águas inferiores, que correspondem às possibilidades formais (determinadas). É a mesma dualidade que o Livro de Enoc traduzirá em termos de oposição sexual e que a iconografia representa freqüentemente pela dupla espiral. As águas inferiores estão, ao que se diz, fechadas num templo de Lhassa, dedicado ao rei dos nagas. As possibilidades informais são representadas na India pelas Apsaras (de Ap, água). A noção de águas primordiais, de oceano das origens, é quase universal. Pode ser encontrada até na Polinésia e a maior parte dos povos austros-asiáticos situa na água o poder cósmico. A ela se junta muitas vezes o mito do animal mergulhador, como o javali hindu, que traz um pouco de terra superfície, embrião que aflora à manifestação formal.
        Origem e veículo de toda vida: a seiva é água e, em certas alegorias tântricas, a água representa prana, o sopro vital. No plano corporal, e por ser também um dom do céu, ela é símbolo universal de fertilidade e fecundidade. A água do céu faz o arrozal, dizem os montanheses do sul do Vietnã, sensíveis à função regeneradora da água, que consideram medicamento e poção de imortalidade.
        Da mesma forma, a água é o instrumento da purificação ritual. Do Islã ao Japão, passando pelos ritos dos antigos fu-chuei taoístas (senhores da água benta), sem esquecer aspersão dos cristãos, a ablução tem papel essencial.
        A água, oposta ao fogo, é yin. Corresponde ao norte, ao frio (no hemisfério norte), ao solstício do inverno, aos rins, à cor negra, ao trigrama K'an, que é o abismo. Mas, de outro modo, a água está ligada ao raio, que é fogo. Na alquimia interior dos chineses, o banho e a lavagem poderiam bem ser operações de natureza ígnea. O mercúrio alquímico, que é água, é às vezes qualificado como água ígnea.
        Nas tradições judaica e cristã, a água simboliza, em primeiro lugar, a origem da criação. O mem (M) hebraico simboliza a água sensível: ela é mãe e matriz (útero). Fonte de todas as coisas, manifesta o transcendente e deve ser, em conseqüência, considerada como uma hierofania (= manifestação do sagrado).
        Por outro lado, a água, como, aliás, todos os símbolos, pode ser encarada em dois planos rigorosamente opostos, embora de nenhum modo irredutíveis, e essa ambivalência se situa em todos os níveis. A água é fonte de vida e fonte de morte, criadora e destruidora.
        Na Bíblia, os poços no deserto, as fontes que se oferecem aos nômades são outros tantos lugares de alegria e encantamento. Junto das fontes e dos poços operam-se os encontros essenciais. Como lugares sagrados, os pontos de água tem papel incomparável. Perto deles, nasce o amor e os casamentos principiam. A marcha dos hebreus e a caminhada de todo homem na sua peregrinação terrena estão intimamente ligadas ao contato exterior ou interior com a água. Esta se torna, então, um centro de paz e de luz, oásis. A hospitalidade exige que se apresente água fresca ao visitante, que seus pés sejam lavados, a fim de assegurar a paz do seu repouso. Todo o Antigo Testamento celebra a magnificência da água. O Novo receberá esse legado e saberá utilizá-lo.
        É muito natural que os orientais tenham visto, assim, a água, primeiro como um sinal e um símbolo de bênção: pois não é ela que permite a vida? Quando Isaías profetiza uma era nova, diz: brotará água no deserto... o país da sede se abrirá em fontes... (35, 6-7). No Apocalipse não fala outra linguagem: O Cordeiro... os conduzirá às fontes das Águas da vida (Apoc. 1, 17).
        A água se torna o símbolo de vida espiritual e do Espírito, oferecidos por Deus e muitas vezes recusados pelos homens. Símbolo, antes de tudo, de vida no Antigo Testamento, a água se tornou, no Novo, símbolo do Espírito (Apocalipse, 21).
        Jesus retoma esse simbolismo no seu diálogo com a samaritana: Aquele que beber da água que eu lhe darei não terá mais sede... A água que eu lhe darei se tornará nele fonte de água a jorrar em vida eterna (João, 4, 4).
        A água, possuidora de uma virtude lustral, exercerá um poder soteriológico (= de salvação). A imersão nela é regeneradora, opera um renascimento, por ser ela, ao mesmo tempo, morte e vida. A água apaga a história, pois restabelece o ser num estado novo. A imersão é comparável deposição do Cristo no santo sepulcro: ele ressuscita, depois dessa descida nas entranhas da terra. A água é símbolo de regeneração: a água batismal conduz explicitamente a um novo nascimento (João, 3, 3-7), é iniciadora. O Pastor de Hermes fala daqueles que desceram à água mortos e dela subiram vivos. É o simbolismo da água viva, da fonte da juventude.
        Se as águas precedem a criação, é evidente que elas continuam presentes para a recriação. Ao homem novo corresponde a aparição de um outro mundo.
    Símbolo da dualidade do alto e do baixo: água de chuva – água do mar. A primeira é pura; a segunda, salgada. Símbolo de vida: pura, ela é criadora e purificadora (Ezequiel, 36, 25); amarga, ela produz a maldição (Números, 5, 18). Os rios podem ser correntes benéficas ou dar abrigo a monstros. As águas agitadas significam o mal, a desordem.
        Dos símbolos antigos da água como fonte de fecundação da terra e de seus habitantes podemos passar aos símbolos analíticos da água como fonte de fecundação da alma: a ribeira, o rio, o mar representam o curso da existência humana e as flutuações dos desejos e dos sentimentos. Como no caso da terra, há que distinguir na simbólica da água a superfície e as profundezas. A navegação ou o viajar errático dos heróis na superfície significa que estão expostos aos perigos da vida, o que o mito simboliza pelos monstros que surgem do fundo. A região submarina se torna, dessa forma, símbolo do subconsciente. A perversão se acha, igualmente, figurada pela água misturada à terra (desejo terrestre) ou pela água estagnada que perdeu suas propriedades purificadoras: o limo, a lama, o pântano, A água gelada, o pelos, exprime a estagnação no seu mais alto grau, a ausência de calor na alma, a ausência do sentimentos vivificante e criador que é o amor. A água gelada representa a completa estagnação psíquica, a alma morta.
     
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