Home page

25 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Fé, Esperança e Caridade no Petit Lenormand
Emanuel J Santos
 
O Petit Lenormand é um baralho interessantíssimo para análise. Ao contrário do Tarot, cujas atribuições variam de intérprete para intérprete, de ilustrador para ilustrador, refletindo e sendo refletidas nos atributos ali representados, o Petit Lenormand mantém uma identidade simbólica que impede que a alteração das imagens seja refletida na alteração dos conceitos, a menos que se utilize de muito esforço gráfico, para pouco efeito imagético. Vê-se, por exemplo, no caso da Carta 8, o Caixão, que pode ser representado como uma vela ou como uma caveira. Ainda assim, o conceito inerente à lâmina não se altera pela utilização de um grafismo diferenciado.
Para exemplificar a afirmação anterior, vamos pegar três Enforcados de Tarots diferentes e três Pássaros de baralhos diferentes (o fato de serem ambos numerados como 12 não tem nenhum valor para essa análise).
O Pendurado no Tarô Dourado da Renascença    O Pendurado no Cosmic Tarot    O Pendurado no Ancestral Tarot
O Pendurado em três versões: Tarot Dourado da Renascença, Cosmic Tarot e Ancestral Path
No primeiro caso, repare a diferença entre as lâminas. A primeira lâmina, oriunda do Tarot Dourado da Renascença, mostra o que aparentemente é um ladrão sendo pego em uma armadilha. A segunda, proveniente do Cosmic Tarot,  apresenta um homem (yogue?) em meditação. No terceiro caso, do Ancestral Path, temos um feto em gestação. Três imagens diferentes representando o mesmo conceito, de transformação surpreendente partindo do interior – imagine o ladrão, cheio de remorso e pensando onde havia falhado, até o momento em que alguém o localizasse; agora, imagine o momento em que o yogue encontra o seu centro no seu movimento, por sinal, nada confortável; por último, imagine o momento em que o feto toma consciência de sua própria existência pré-parto.
Todos esses aspectos apresentam fases em suspensão, quando não há nada a fazer, a não ser esperar o momento certo de agir. Três formas diferentes de representar o mesmo conceito.
Por outro lado, veja essas três representações da carta 12 do Petit Lenormand. A primeira é uma representação clássica, com o poema relacionado. A segunda é proveniente do Tarot do Cigano (Madras editora). A terceira é oriunda do Orkut Lenormand, desenvolvida pelo Giancarlo Schmid.
O Sete de Ouros no baralho Lenormand    O Sete de Ouros no Tarô Cigano da Madras Ed.    O Sete de Ouros no Orkut Lenormand de Giancarlo Schmid
Três versões da carta 12 - Pássaros ou Sete de Ouros
A representação dos pássaros é comum às três. Em duas temos a representação da carta do baralho convencional correspondente – o Sete de Ouros. O Tarô do Cigano, respeitando a Escola Brasileira, não se propõe a analisar o conteúdo cartomântico relacionado à carta comum, se atendo unicamente à imagem. Assim como este, temos o Tarô: a magia dos Ciganos, de Naldo de Oliveira (Pallas) e o Tarô Cigano, do casal César e Katja Bastos, entre outros.
Em todas as três, o significado é o mesmo. Mesmo que o cartomante utilize a forma européia, ou se desejar usar a brasileira, o significado interpretativo não se altera pelas perspectivas pictóricas. Se segue a Escola Européia, serão incômodos e inconvenientes de curta duração, independentemente de termos pombos, pardais, corujas, periquitos ou araras (não me lembro de nenhuma outra representação além dessas, de cor). Se segue a Escola Brasileira, da mesma forma as aves representarão pequenas alegrias e concórdias. [Os termos Escola Brasileira e Escola Européia são utilizados pelo Alexsander, do blog Lenormando, a quem sou sempre grato pelos diálogos.]
Sendo assim, proponho, com esse texto, analisar as três virtudes teologais representadas no Petit Lenormand: a Fé, cujo símbolo é uma cruz, na carta 36; a Esperança, cujo símbolo é uma âncora, na carta 35; e a Caridade, cujo símbolo é um coração, na 24.
 
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.
1Cor 13:13
 
Fé – A Cruz (carta 36 – Seis de Paus)
Encerrando a série de cartas desse baralho, e dona de uma das mais controversas interpretações – representando ora “sempre um mal”, ora “vitória completa”.
Croix, a Cruz no Petit Lenormand
Cruz no Petit Lenormand
 
O fato de pertencer ao naipe de Paus tem gerado uma série de interpretações desconexas das reais possibilidades do naipe dentro da estrutura desse baralho.
Essa carta representa sim, sofrimento, mas o mesmo sofrimento que a gente sofre na academia quando faz musculação: um sofrimento necessário para os “músculos da alma”, um desafio que, quando superado, nos permite galgar novos rumos e perspectivas. Não é fácil, mas é necessário. Exatamente por isso, positivo.
Da mesma forma, a Fé é a habilidade de crer quando não há provas ou perspectivas. Vamos em frente, sem saber aonde esse “em frente” chegará. É positivo, quando chegamos ao fim... Mas como é agoniante o durante!
Como disciplina, passamos a ver o além, o devir, com os olhos de quem está bem embasado e seguro, mesmo que a base seja de areia e a segurança não passe de uma utopia.
Um ponto interessante desse símbolo é que ele sofreu uma reviravolta histórica: sendo antes um vergonhoso símbolo de suplício, passou a ser o símbolo da redenção e vitória sobre a
morte. Não sem a passagem pelo suplício e o sofrimento de um homem em especial, claro.
Esperança – A Âncora (Carta 35 – Nove de Espadas)
Penúltima carta numerada do baralho. A Âncora é o símbolo da solidez em meio à inconstância do meio, logo, também representa fidelidade. É a segurança da lucidez frente
às ondas de sensações, sentimentos e acontecimentos de que somos acometidos tanto interior quanto exteriormente durante nossa passagem por esse mundo.
O fato de fixar-nos a um ponto confortável também é digno de análise, pois pode significar inércia frente à constante revolução operante no exterior. É, portanto, um símbolo de tradição e reverência aos costumes.
Dentro de uma perspectiva cristã, a possibilidade de salvação opera no Outro Mundo, mas o naufrágio é possível já nesse; a Esperança, portanto, é a âncora que fixa o fiel ao seu Senhor, aos pés da Cruz, a única  esperança de uma possível salvação.
Novamente, a relação equivocada com o Tarot pode gerar duplas interpretações, desvinculadas do conteúdo expresso. No Tarot, essa carta representa grande dor e sofrimento, oriundos de um masoquismo exacerbado, de uma situação de impasse ou da expectativa negativa frente aos acontecimentos.
No Petit Lenormand, em contrapartida, temos a firmeza e a solidez de uma escolha bem feita pela melhor perspectiva, ou
 
Ancre, a Âncora no Petit Lenormand
Âncora no Petit Lenormand
mesmo a certeza de uma boa perspectiva mesmo face a uma situação desagradável. No primeiro caso apontaríamos possíveis caminhos menos dolorosos, no segundo incentivaríamos a escolha do consulente.
Caridade – O Coração (Carta 24 – Valete de Copas)
Essa é uma das cartas mais coesas em relação à carta comum, a imagem e os registros de cartomancia que chegaram até nós. O naipe de Copas, talvez por ser representado por um coração, sofreu poucas interpretações dúbias em relação à sua área de atuação – poucas interpretações o tiram do campo dos sentimentos.
Coeur, o Coração no Petit Lenormand
Coração no Petit Lenormand
 
O Valete, o rapaz, apaixonado, pela vida, pelo trabalho e por alguém. [O Valete pode ser um rapaz ou uma pessoa jovem, pois há quem veja essa carta como representativa tanto de homens quanto de mulheres]. Ninguém melhor representaria a carta que abrange o amplo escopo dos sentimentos.
A distância dessa virtude das outras duas em relação à organização numérica deste baralho é talvez algo que não entenderemos tão rapidamente. Contudo, sendo a maior das virtudes, justifica-se o fato de estar separada das demais. Sua representação é a mais poética das três – não manipulamos um coração como manipularíamos uma âncora ou uma cruz. Contudo, temos ciência desse órgão a todo momento, pois dele dependemos para (sobre)viver.
Na Bíblia, a palavra coração é empregada uma dezena de vezes para designar o órgão corporal, mas há mais de mil exemplos nos quais a interpretação é metafórica. Considerado a sede da Alma, doar o coração a uma causa ou pessoa indica o comprometimento pleno com o que ela representa.
Assim, o Amor, em suas mais diversas acepções, é a necessidade fundamental do cristão, que deve acima de tudo
amar ao seu Senhor, conforme manda o Antigo Testamento, e ao seu próximo como a si mesmo, como postula o Cristo no Novo Testamento.
Conclusão
Nessa passagem rápida pelos símbolos escolhidos, pudemos perceber, através da perspectiva cristã inerente de forma sub-reptícia ao referido baralho francês, que, mesmo diante dos significados bem definidos para cada uma das cartas, temos inúmeras possibilidades interpretativas das relações entre elas.
Dessa forma, outras palavras-chave e conceitos interpretativos emergem, dando texto, contexto e intertexto ao diálogo cartomante-baralho-consulente.
 
Bibliografia e sites consultados:
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 23 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
Todos os sites foram acessados em 12 de março de 2011:
Carta 12. http://orkut-lenormand.blogspot.com
Comunidade Baralho Cigano - Petit Lenormand, no Orkut, os Pássaros:
www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=7576259&tid=2450518976137518038
As cartas do Tarot, como a carta 12 do Petit Lenormand:
www.albideuter.de/html/lenormand_1_11.html
 
abril.11
Contato com o autor:
Emanuel J. Santos - www.conversascartomanticas.blogspot.com
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
 
  Baralho Cigano
  Tarô Egípcio
  Quatro pilares
  Orientação
  O Momento
  I Ching
Publicidade Google
 
Todos os direitos reservados © 2005-2020 por Constantino K. Riemma  -  São Paulo, Brasil