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19 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


2021: Perspectivas para o Ano do Boi
Shelton De Cicco
Não pretendemos apresentar uma previsão sobre 2021. Gostaríamos, antes, de refletir sobre o significado de 2021 à luz da ideia de tempo cíclico; não como uma passagem mecânica de 2020 para 2021, mas como um processo complexo com continuidades e descontinuidades. Para esse intento, lançaremos mão de símbolos diversos que se mostraram, de maneira mais ou menos objetiva, presentes em 2020 e 2021. Em última análise, de parte dos símbolos evocados, apoiamos a análise no texto do livro das mutações (WILHELM, 2006), o Yi Jing ("I Ching").
Para começar, revisaremos 2020: uma pandemia histórica com impactos muito ulteriores ao campo da saúde. Afinal de contas, o que poderia ter significado 2020?
2020: Ano do Rato – sucesso nas pequenas coisas
2020, segundo o horóscopo chinês, foi o ano do rato. Este animal possui diversas conotações simbólicas, controversas até. Por exemplo: o fato de a maioria das pessoas terem medo do animal pode ser associado às ondas de epidemias de peste bubônica que assolaram a Ásia e a Europa a partir, pelo menos, do século XIV (MARTIN, 2010: pp. 290-2). Além disso, o rato é um animal famigerado, sempre com fome e sempre roendo, sinalizando para apetites vorazes e paixões incontroláveis (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2019: pp. 770-1).
O rato também se prolifera muito rápido, indicando que desejos indulgenciados em algum momento, por pequenos que fossem, saem do controle e crescem até tornarem-se uma praga. Gilles Deleuze e Félix Guattari (2010) diriam, a propósito do caso do "homem dos ratos" de Sigmund Freud, que o rato pequeno é como o desejo repulsivo, que se esconde em qualquer lugar e assim também esses desejos podem ficar abscônditos, funcionando na maquinaria do inconsciente.
O rato é uma animal extremamente detalhista – qualquer um que já os teve como animal de estimação sabe: percebem a ínfima palha que fora movida na gaiola e ficam ciosos. Experimentos com ratos mostram grandes semelhanças entre o comportamento deles e dos humanos – é assustador, para bem e para mal. O deus hindu Gaṇeṣa ("Ganesha") tem por montaria um rato; é curioso, pois diz-se que elefantes têm medo de ratos, Gaṇeṣa por outro lado não os teme e ainda toma um deles por montaria; isto poderia ser interpretado como o desejo compreendido e que serve como instrumento para melhora pessoal.
2021 - O Ano do Boi
Sukha (esquerda) e Dhanika (direita), companheiros do autor.
Bastante coisas poderiam ser ditas sobre este pequeno animal. Tendo em vista as crises econômica e política agravadas pela pandemia de 2020, ano do rato, teríamos muito a aprender com o rato. Para este autor, o ano do rato 2020 teria estreita correlação com uma série de hexagramas do Yi Jing: 9. poder de domar do pequeno, 29. o abismal, 33. retirada, 38. oposição, 46. ascensão, 62. preponderância do pequeno e 63. após a conclusão. Todos, em algum momento mencionam, mutatis mutandis, o "sucesso nas pequenas coisas" (WILHELM, 2006: passim). Todos os hexagramas citados têm em comum o fato de estarem em movimento de retração, daí não ser auspicioso buscar grandes coisas, mas sim as pequenas. E foi assim que se mostrou 2020: "é melhor pingar do que faltar", "mais vale um pássaro na mão do que dois voando", "uma coisa de cada vez", "cada passo em frente conta" etc.
Os brocardos populares também suscitam a numerologia de 2020: 2+0+2+0=4. Um ano 4, portanto. O número é em si fortemente atrelado ao mundo material – e.g.: quatro pontos cardeais, quatro estações, quatro estados da matéria, quatro elementos, quatro fases da lua, quatro temperamentos etc. etc. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2019: pp. 758-62). Esse fator material também implica a finitude das coisas; tudo que tem um começo, tem um fim ou pelo menos uma mutação. É assim que a semente germina, a planta cresce, floresce, produz novas sementes e, por fim, perece. Não pensamos em 2020 como ano de finitude, mas preferimos pensá-lo como processo. Tem etapas que deveriam ser respeitadas e não poderiam ser puladas. Exemplo cabal disso foram as próprias quarentenas e suas fases: relaxou-se um pouco em uma fase de alta de infecções e este número saltou, fazendo mesmo que as fases regredissem às anteriores, mais restritivas. Parece que o rato obtém sucesso, de fato, quando se esconde e em apanha pequenos grãos.
Falamos em ciclo e tempo cíclico. É comum os/as ocidentais pensarem o tempo como linear; sucessões engessadas e um fim. Os/as orientais, por outro lado, costumam pensar o tempo como um ciclo ou círculo, pode não prescindir das sucessões, mas comporta simultaneidades e, ao termo do ciclo, reinicia-se (LEACH, 2010: pp. 191-209). É o princípio fundamental do daoísmo ("taoísmo"), bem como do Yi Jing, que lhe é tributário. O que poderia ser dito, seguindo essas premissas, sobre 2021 como sequência, mutação ou reinício?
2021: Ano do Boi – trabalho sobre o que se deteriorou
Bem, até aqui discutimos muito sobre o ano que passou. E sobre o ano novo? 2021 será (a partir de 12-02-2021, pelo calendário chinês) o ano do boi. Este animal pode ser mais familiar, não só porque as pessoas não costumam temê-lo, como no caso do rato, mas também porque ele compõe o segundo signo do zodíaco ocidental. Entre as características deste, estão a fixidez, é feminino, frio e seco, melancólico, bestial, ponto de exaltação da Lua, exílio de Marte, domicílio noturno de Vênus (que, aliás, é regente de 2021). Nada mal, frente ao aprendizado difícil proposto pelo rato em 2020, parece abrir-se uma perspectiva de acolhimento, nutrição, fortificação. Contudo, o animal parece estar mais atrelado ao trabalho duro – pelo zodíaco ocidental, sendo fixo e de terra, não promete moleza; a constelação lembra um arado.
Se no caso do ano do rato tínhamos "sucesso nas pequenas coisas", neste ano do boi teremos "trabalho sobre o que se deteriorou" (hexagrama 18)? O comentarista e tradutor Richard Wilhelm (WILHELM, 2006) explica que este hexagrama fala do uso abusivo da liberdade e da necessidade de construir um ponto de partida totalmente novo. Também aduz ele que os trigramas são os mesmos, embora em ordem diversa, no hexagrama 12. estagnação, porquanto a sensação de imobilidade também se faz presente no hexagrama 18. Este também está intimamente associado ao hexagrama 57. a suavidade, que indica tempos em que é auspicioso voltar ao lar, cuidar dos assuntos do país ou da casa com delicadeza e aqui também temos "sucesso através do que é pequeno".
A capacidade de trabalho e a ambiguidade entre um boi (pacífico) e um touro (feroz) é assinalada também; o boi é um auxiliar, é mais yin e contemplativo, serviria de montaria. No fundo, alude ao processo sempre infindo de liberar o humano do animal, força para cavar os sulcos na mente para receber as chuvas de conhecimento (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2019: pp. 137-8). O boi pode ser associado a um alvorecer da civilização – domesticação dos animais, organização de uma casa e riqueza – deidades, heróis e reis de várias culturas possuem o boi como símbolo, montaria ou recebem-no como oferenda (MARTIN, 2010: pp. 308-11).
Do ponto de vista da numerologia, 2021=2+0+2+1=5. Um ano 5 sói ser de avanço e estratégia, mas também ousadia, audácia, impulsividade, extrapolação. Nada mal, contanto que seja feito uso adequado dos esforços. Já do ponto de vista da astrologia, e aqui nos limitamos a um comentário de passagem, os nodos lunares estão transitando por Gêmeos e Sagitário desde maio/2020 (auge da pandemia). O nodo sul, também chamado cauda do dragão ou nodo da diminuição, está em sagitário, signo mais afim com a numerologia do 5; ao passo que o nodo norte, cabeça do dragão ou nodo de crescimento, está em gêmeos, que tem afinidade, antes, com pequenas coisas, pessoas e situações conhecidas, percursos e itinerários reduzidos. Essa configuração indicaria que ainda há "lição de casa" por fazer.
Parece que, seguindo o raciocínio apresentado, há muito que fazer no ciclo que está vindo, tanto em termos materiais como intelectuais.
 
Referências:
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2019.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: ed. 34, 2010.
LEACH, E. R. Dois ensaios a respeito da representação simbólica do tempo. In: Repensando a antropologia. São Paulo: Perspectiva, 2010. pp. 191-209.
MARTIN, K. (ed.). The book of symbols: reflections on archetypal images. Köln: Taschen, 2010.
WILHELM, R. I Ching: o livro das mutações. São Paulo: Pensamento, 2006
Shelton De Cicco
Mestre em antropologia social, acupunturista, oraculista
shivatrabalhos@gmail.com
www.sdcconsultasdetaro.blogspot.com
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
Edição: CKR - 5/02/2021
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