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26 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


2016: O ano do Eremita (mas só para quem quiser)
André Mardouro
A cada ano novo muitas pessoas buscam orientações do que virá, através de sistemas simbólicos diversos. Para a astrologia, este ano de 2016 será regido pelo Sol; para o horóscopo chinês este é o ano do Macaco de Fogo; e para quem é seguidor do Candomblé os orixás regentes serão Oxalá e Iemanjá. Enfim, há símbolos de regência anual em muitas práticas e tradições, para todos os gostos, mas será que faz sentido buscar também no tarot um “arcano regente” para o ano?
O Mago e o Macaco de Fogo
O "Mago" no Tarot de Marselha com poucas chances de ser "regente do ano".
O "Macaco de Fogo", regente de 2016 no horóscopo chinês.
Ilustrações encaminhadas pelo Autor
Como “jodorowskyano” e praticante do chamado “tarot evolutivo”, que despreza a futurologia em favor de uma presentificação dedicada à realização pessoal do “aqui e agora”, digo, a princípio, que querer sobrepor ao tarot algo que não lhe é próprio, mas advindo de outras disciplinas, é apenas perda de tempo: uma brincadeira infantil que não encontra apoio nem eco na estrutura interna do baralho. Isto porque as técnicas de redução numerológica, utilizadas para se chegar ao “arcano regente”, não são capazes de contemplar o conjunto de cartas de acordo com sua própria base probabilística, que fica desequilibrada: assim o Mago, por exemplo, teria a chance de ser regente apenas nos anos formados pelo número 1 acompanhado de zeros (01, 1.000, 10.000, 100.000), ou então nos anos terminados em "01" (considerando a técnica de soma em que, por exemplo, 2001 = 20 + 01 = O Julgamento + O Mago, coisa que também alçaria o Arcano XX à condição de “regente do século XXI”), o que, a priori, não me parece fazer muito sentido.
No meu entender esta prática vem do afã recorrente e um pouco precipitado de se estabelecer constantes correspondências entre o tarot e outras práticas, à revelia mais uma vez da própria estrutura interna do baralho – neste ponto, são conhecidas dos estudiosos as distorções já praticadas historicamente ao se tentar produzir correspondências estruturais entre a cabala e o tarot, por exemplo, ocasionando trocas de posição entre os arcanos originais do Tarot de Marselha, como no caso do intercâmbio entre A Justiça e A Força no famoso e cada vez mais questionado Tarot de Rider-Waite.
Representações da Justiça e da Força no Waite Tarot
"A Justiça" e "A Força" no Tarot Rider-Waite: atribuição numerológica trocada
Ilustrações encaminhadas pelo Autor
Deste modo, atribuir ao tarot o papel de estabelecer o arquétipo regente do ano representa um esforço de aproximação entre o tarólogo e o astrólogo, o cartomante e o babalorixá que joga os búzios dentro de um sistema religioso particular, o tarot e o horóscopo chinês, entre outras tentativas possíveis, como se o tarot e sua prática precisassem de uma legitimidade externa, construída à guisa de correspondências diversas com outros sistemas (de maior popularidade, talvez). No entanto, todos estes são sistemas diversos entre si, que obedecem regras próprias e aplicações que advém de uma certa coerência interna e as transposições e equivalências revelam-se forçosas.
Não me atrevo a falar aqui acerca de astrologia, ciência à qual não me dedico e da qual sei praticamente nada. Porém, até onde percebo, o estudo dos astrólogos em busca de padrões de influência planetária sobre nós possui métodos radicalmente distintos da tarologia, com a determinação do astro regente sendo feita com base na observação e no cálculo da configuração espaço-temporal dos planetas do sistema solar: a danças das esferas e as geometrias de suas posições relativas estão sobre a cabeça de todos nós, inquestionavelmente. E aí fica a pergunta: o que é que isto tem a ver com a prática do tarot, que compreende a eleição pessoal – e ao acaso – de uma ou mais cartas dentro de um conjunto de 78, cada uma delas composta por imagens de caráter simbólico? Dentre algumas diferenças fundamentais, pode-se dizer que a leitura astrológica tem por base padrões observáveis na própria natureza do cosmos e sobre o qual o homem não tem nenhum domínio, enquanto a leitura do tarot se dá através de um sistema de representação que não é natural, mas construído pelo próprio homem, permitindo manipulação e interferência direta sobre este mesmo sistema.
O tarot nos apresenta imagens arquetípicas de caráter universal, é verdade, mas aqui esta universalidade é a base para que cada pessoa, individualmente, veja seu próprio inconsciente espelhado, por si mesmo ou contando com a intermediação de um “leitor de imagens” (o tarólogo), com toda a sua personalidade, seu conhecimento e suas idiossincrasias. Daí que a perspectiva do trabalho com o tarot não é outra senão a de cada indivíduo em particular, numa experiência tête-à-tête em que as menores circunstâncias do jogo (tarólogo, baralho, consulente, momento do jogo, interferências ao redor, humores ocasionais, aspectos comportamentais, etc.) constituem um todo complexo, único, impossível de ser repetido e tampouco generalizado.
Ainda assim, e um pouco contraditoriamente, no início dos anos de 2014 e 2015 publiquei em meu blog “Diário Tarot” um resumo do “arcano do ano”, a partir do seguinte entendimento: “Bem, não acredito que esta carta (O Carro em 2014, e A Justiça em 2015) vá reger o ano de toda a humanidade, mas talvez seja válido para quem chegar até ela através da internet”, incorporando assim a ideia de que o encontro de minha publicação pelo internauta equivaleria a uma “tiragem”. Já abandonei esta hipótese e não fiz o mesmo neste 2016, visto que cheguei a uma conclusão mais marcada de que isto é verdadeiramente desimportante e até certo ponto inócuo ou, ainda, e no limite, sem relação com a abordagem do tarot evolutivo, que busco praticar. De todo modo, quem sou eu também para dizer que “não, você aí que está lendo este meu artigo não deve considerar a ideia de ter um arcano anual regente, isto é uma estupidez”? O tarot é absolutamente aberto, podendo ser construído e reconstruído infinitamente e cada indivíduo tem o seu modo particular de se relacionar com o tarot, de montá-lo e desmontá-lo, característica intrínseca que como tal não tem como impedir ninguém da prática da redução numerológica na determinação do ano regente. Igualmente válido, cada pessoa pode, se quiser, tirar uma carta do baralho no dia 1º de janeiro e assim encontrar seu “arcano regente”, desconsiderando o método numerológico. O mais importante, aqui, é ter sempre o cuidado de não atribuir ao arcano um poder de determinação programática, ou algum tipo de neurose primária como “neste ano do Eremita, cuidado para não ficar sozinho”.
Padres do Deserto: Sto Antão em visita a Sto Antônio de Tebas.     O Eremita no Tarot de Marselha
Antigo ícone no Museu Copta do Cairo e a carta restaurada do Tarô de Marselha - Jodorowsky/Camoin.
Acredito que o exercício pode ser mais sutil, como um convite à reflexão e ao trabalho pessoal. Como sempre temos presente dentro de nós os atributos e as potências de todos os arcanos, quem quiser pode eleger por um certo período (um dia, um ano) um arcano, que servirá de instrumento para abordar a relação consigo mesmo e o mundo. Considerando, então, que este seja o “ano do Eremita”, sugiro que estabeleça um diálogo com seu Eremita interno e busque responder às perguntas que ele pode fazer, dentre elas: como me relaciono em sociedade? Sou alguém presente ou ausente? Será que sou sábio? E daí? Pratico minha sabedoria? Consigo colocar em prática o que aprendo ou o conhecimento é algo que guardo só para mim? Isto é útil? Qual o nível de consciência que tenho acerca de minha própria trajetória até aqui? Tenho confiança ou medo do futuro? Quais ciclos devo encerrar e quais podem florescer daqui em diante? Qual minha conexão com a divindade, meu Deus interior? Como conversar com ele? A questão, então, é como entender este arcano regente, se é mais apropriado apresentá-lo como uma força de influência comum ao conjunto da humanidade, com consequências relacionadas a seus atributos (o que me parece ser o principal equívoco), ou se ele teria mais utilidade como um convite à reflexão pessoal, sem o peso da ideia de “regência”, o que para mim parece mais rico, mais útil e mais coerente com meu entendimento do tarot e suas atribuições.
Ao final devo dizer que sou apenas um aprendiz. O barato do tarot é esse: quanto mais você estuda mais o campo se abre.
André Francioli Mardouro - www.diariotarot.blogspot.com.br
www.facebook.com/diariotarot
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
Edição: CKR – 29/03/2016
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