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12 de novembro de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Números: história e simbologia
Texto de Hans Bidermann e Michel Cazenave
Trad. Constantino K. Riemma e rev. Bete Torii
 
    Segundo os conceitos de Pitágoras (século 6º a.C.) e de seus discípulos, os números são a chave das leis da harmonia cósmica e os símbolos de uma ordem divina universal.
    A descoberta de que os acordes agradáveis ao ouvido eram produzidos pela vibração de cordas cujo comprimento podia ser expresso por relações numéricas simples levou Pitágoras a postular a existência do conceito de harmonia, e constituiu o primeiro passo que levou a uma formulação matemática do conhecimento do mundo.
    Nesse modo de ver (“tudo é número”), toda forma pode ser expressa por números que, tal como os “arquétipos divinos”, estão ocultos na estrutura do universo e só se manifestam a quem busca conhecimento e sabedoria ao mesmo tempo.  É o que demonstra, por exemplo, o teorema de Pitágoras e sua lei do quadrado da hipotenusa.
   “Os números não foram jogados às cegas no mundo; eles foram reunidos para constituir sistemas harmoniosos, como as formações cristalinas e as notas da escala musical, em virtude das leis gerais que regem o universo” (Koestler).
 
[ www.shunya.net ]
    Os números, portanto, não eram considerados apenas como unidade de medida, mas como os archaï (ou seja, os elementos básicos, o fundamento) de todas as coisas “como o nexo primordial e incriado que assegura a persistência eterna dos componentes do universo” (Filolau, século 5º a.C.)
Pitágoras
Detalhe de um afresco de Raphael,
A Escola de Atenas
(1508/11).
       A periodicidade dos ciclos cósmicos, que repousa sobre unidades numeráveis, reforçou através do estudo da astronomia a idéia de que os números não eram apenas instrumentos que exprimem a ordenação do universo, mas qualidades intrínsecas ao cosmo, traços “absolutos” de poderes sobre-humanos e, portanto, símbolos da divindade.
    Novalis experimentou esse poder mágico dos números ao estendê-lo ao campo da mística: “É provável que exista na natureza tal como na história uma mística maravilhosa dos números. Não está tudo cheio de sentido, de simetria e de relações singulares? Não poderia Deus se revelar igualmente na matemática como o faz em todas outras ciências?”
    Nessa mesma linha de pensamento, extraída de Pitágoras e transformada pela tradição alquímica, o Islã também considerou o número a tal ponto essencial, que para os Iqhwn as-Safa (os “Irmãos da Pureza”) “o número, que representa uma multiplicidade de unidades, é ao mesmo tempo o princípio diretor da Criação e o símbolo que ajuda a compreendê-la”.
    A partir dessa sacralização dos números, que atribui a cada um deles um poder e uma qualidade singulares, o Deus Criador é “o Um primordial” que se despoja de si-mesmo para se revelar sob a forma de uma dualidade. Da tese e da antítese nasce a síntese da Trindade: omne trium perfectum (“toda trindade é perfeita”).
 
Unidade e Trindade
 
    A trindade, desse ponto de vista, é dinâmica e se baseia na idéia-força de um poder de relação que une e que movimenta as formas da dualidade.
    No cristianismo o Espírito Santo, como declara São Bernardo, é o “beijo do Pai e do Filho”, sua “respiração comum”.
    Do mesmo modo, no final da Renascença Kepler utiliza a imagem da esfera, que lhe é cara, para dizer que se o Pai é o centro e o Filho a superfície, o Espírito é o raio que os une e que, ao descrever o espaço ao redor do centro, gera a esfera enquanto tal.
    Entre os árabes, que não tratam da Encarnação e para os quais Deus só pode ser pensado sob a referência do Único, o Um é Allah, enquanto que o Dois simboliza a Inteligência atuante que cria o início do múltiplo (do qual o dois é a expressão mínima) e o Três representa a alma, poder de mediação entre a Terra e o Céu.
    Essas três instâncias podem ser colocadas em correspondência aos três protagonistas do Conhecimento (o Conhecedor, o Conhecido e o Conhecimento do Conhecido pelo Conhecedor) que constituem o espelho da Divindade criadora, visto que em Deus, bem como na visão mística que o apreende, Conhecedor, Conhecido e Conhecimento são uma única e mesma coisa.
 
Pai, Filho e Espírito Santo (que liga
a boca do Pai à cabeça do Filho)
Ícone beneditino, séc. 12)
[ www.traditions-monastiques.com ]
    Apesar das aparências diferentes, essa formulação árabe está muito perto da trindade cristã: basta substituir o Conhecedor pelo Pai, o Conhecido pelo Filho e o Conhecimento pelo Espírito Santo para que as duas expressões se tornem homólogas.
 
Um, Dois, Três e Quatro
 
    Se admitirmos que o número três indica o movimento interno da unidade, o número quatro revelará a manifestação e a plenitude.
      Essa dinâmica traduz o processo de construção da tetraktys de Pitágoras (a perfeição do número dez como manifestação da unidade do múltiplo), que só pode ser obtida mediante a adição do quatro (que é um número composto, ou seja, 2 + 2 ou 3 + 1) aos três primeiros números fundamentais: 1 + 2 + 3 = 6, mais 4 --> 6 + 4 = 10. O radical da palavra tetraktys é tetra, ou seja, ‘quatro’ na língua grega.
    A mesma idéia aparece no que se convencionou chamar, na alquimia, de “adágio de Maria Profetisa”: O um torna-se dois, dois torna-se três e do terceiro nasce o um como quarto.  
    Numa linha idêntica de pensamento e em relação ao que deveria ser a completude da manifestação divina, C. G. Jung deu ainda, modernamente, um “valor arquetípico” ao mesmo número quatro.
    Jung considerava, por exemplo, a proclamação pelo Vaticano do dogma da Assunção física da Virgem, que parecia escandaloso aos olhos de muitos de seus contemporâneos, como a expressão de uma aspiração simbólica para concluir, de modo harmonioso, a Trindade, marcada que é pelo selo da masculinidade, inserindo nela o elemento feminino (Sofia) para formar um quadrado.
    Essa estrutura tradicional dos quatro primeiros números, da unidade original à multiplicidade manifestada, mas que reflete ainda essa unidade primordial, pode e deve ser lida também de um modo paralelo e complementar: se o Um é o Criador primordial, ele é forçosamente ao mesmo tempo o Deus que se revela e o Deus que podemos conceber.
 
"O Quatro, o Três, o Dois e o Um".
Trabalho alquímico de Heinrich Khunrath (1560-1605)
[ www.library.wisc.edu ]
    No entanto, se Deus é verdadeiramente Deus, se ele é totalmente transcendente, nós não podemos concebê-lo e a única maneira de nos exprimirmos a seu respeito é falando negativamente, ou seja, ele não poderá estar contido em nada do que podemos dizer dele.
    Por essa razão, o Um se apóia no que os neo-platônicos, que não conheciam o zero, chamaram de o Um-que-não-é e no que os gnósticos denominaram o “nada” (“Houve um tempo em que nada existia; esse nada não era uma das coisas existentes e, para falar claramente, sem rodeios, sem artifícios, absolutamente nada existia...” declara Basílio de Alexandria sobre esse Deus).
    No esoterismo do Islã ele foi designado como o “nada supra-essencial”: é precisamente o que o zero significará desde que se admita que o zero “existe”. A passagem do Zero ao Um, do Um-que-não-é ao Um-que-se-revela,  corresponde à diferença que se estabelece, na Cabala, entre o “nada” e o “eu” de Deus (do ain ao ani, do En-Sof ao Deus criador). A mesma distinção que faz Mestre Eckhart entre Gottheit e Gott, ou seja, entre a deidade do fundamento e Deus tal como se deixa apreender, ou ainda, em outros termos, entre o deus absconditus (o deus oculto) e o deus revelatus (o deus revelado), entre as trevas essenciais e o lampejo da luz, do qual Jocob Boheme nos fala nos Mysterium magnum.
      A partir do Um revelado, a divisão pode então se fazer no dois, sem introduzir a dualidade (já que Pai e Filho são um só), mas a dualidade de princípios, tal como os pares de opostos Yin e Yang. Aqui existem dois caminhos possíveis; de acordo com a via chinesa, essa dualidade se traduz por uma complementaridade: dois é o número da mulher, o que tornará todas as cifras pares femininas. Já entre os gregos, por um antagonismo declarado, o dois é também a cifra do Diabo (dia significa ‘dois’ em grego), que se opõe a Deus e introduz a divisão do Bem e do Mal.
    Torna-se evidente a equivalência que tende a ser feita implicitamente entre a mulher e o Diabo: e aí se inclui a enigmática figura de Lilith; é a Eva no Paraíso que escuta a serpente; serão todas as feiticeiras que a cristandade lançará à fogueira; é toda a ginecofobia tradicional de nossa cultural e o terror que o homem prova diante da mãe, onde lê o poder da morte, e diante da mulher que o ameaça de destruição. 
    A quaternidade pode, então, ser tanto a adição de duas dualidades (a mulher e o Diabo reunidos, que forma a totalidade da criação maléfica), quanto a adição da Trindade mais um elemento: seja a Virgem (que marca a completude do divino pela introdução de Sofia), seja o Diabo (que completa a divindade em sua parte de sombra, tal como se vê nas relações de Lúcifer com Deus). Neste último sentido, designa a criação tal como fomos levados a vivê-la, atormentados que somos entre os poderes de Satã e a graça do amor divino.
    Entre os árabes, como conseqüência direta de sua concepção dos três primeiros números, o quatro é a assinatura da matéria prima a partir da qual vai se manifestar todo o universo sensível: cinco será então a Natureza, seis o símbolo do Corpo do Mundo, sete o número dos planetas, oito a cifra dos quatro elementos e nove o “último degrau dos oito universais”, que correspondem a todas as criaturas, que são ao mesmo tempo realidades derivadas dos elementos e compostas com eles.
 
"Eva, a serpente e a morte"
de Hans B. Grien (1510-15)
[ www.stanford.edu ]
    É notável, aqui, mais um paralelo que se pode estabelecer com a numerologia cristã, já que o quatro, que é o signo da materia prima, pode equivaler a Maria, que, nas especulações alquímicas, é o próprio símbolo do corpo humano, ou do corpo primeiro do mundo, ou seja, da materia prima, cuja coroação ou Assunção marca as núpcias celebradas com a Trindade (Speculum Trinitatis de Reusner)
 
O Quatro
 
    Do ponto de vista simbólico, o quatro se encontra entre os números considerados mais importantes. O quatro está, de fato, relacionado à cruz e ao quadrado; existem quatro estações, quatro rios no Paraíso, quatro temperamento, quatro humores, quatro pontos cardinais, quatro evangelistas, quatro grandes profetas – Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel –, quatro doutores da Igreja – Agostinho, Ambrósio, Jerônimo e Gregório o Grande.
Os quatro evangelistas
[ www.sunrisestainedglass.com ]
       Há também quatro letras no nome de Deus, o tetragrama JHVH, grafado ou vocalizado como Yahweh ou Javé ou, ainda, “Jeová”, enquanto que os crentes judeus o deixam sob sua forma de consoantes.
    Na China, encontramos as quatro portas da residência imperial, considerada o “centro do mundo”, os quatro mares lendários ao redor do império e as quatro montanhas (que correspondiam igualmente aos nomes dos suseranos), e as quatro estações eram divididas de tal modo que se marcava o início delas com quatro seções de quinze dias. Quatro grandes rios lendários protegiam o imperador de jade Yu-houang-ti, a divindade suprema da religião popular; quatro amuletos afastavam as influências demoníacas; as quatro artes eram simbolizadas pelo livro, a pintura, a viola e o jogo de xadrez, enquanto que os quatro tesouros dos sábios eram a paleta, o pincel, a tinta e o papel.
    No Novo Mundo igualmente o número quatro faz parte dos conceitos cosmológicos essenciais. Entre os maias, os pontos cardinais estão associados às cores e aos “dias que representam o ano” no calendário. Quatro árvores do mundo suportam o céu, na cosmologia asteca. “Os quatro pontos cardinais representam o lugar de origem dos ventos, onde também se encontram os quatro grandes cântaros de onde caem as chuvas”, a exemplo dos quatro Bacab, os deuses dos pontos cardinais que também sobreviveram à “destruição do mundo pelo Dilúvio”.
    Todas as civilizações conceberam seus sistemas de orientação e de representação espacial como conjuntos de quatro elementos. A fim de representar as posições no espaço e no tempo onde se desenvolvem as funções, os matemáticos apelam à estrutura das coordenadas cartesianas (abscissas e ordenadas), que é fundamentalmente idêntica ao cruzamento dos eixos norte-sul e leste-oeste. Além dessa estruturação do espaço, que é a própria realidade do universo manifestado, o quatro é em quase todas as civilizações a cifra da perfeição e da completude. É por essa razão que o texto sagrado dos Vedas é dividido em quatro partes, e que “os quatro quartos de Brama” designam a totalidade do conhecimento que se pode adquirir.
    Para C.G. Jung, os números seriam esquemas de ordenação do mundo, tanto do ponto de vista físico (matemático) como do ponto de vista psíquico (simbolismo numérico). Em outros termos, como diriam os platônicos da Antiguidade, os números estariam ligados às potências da alma, tanto em sua realização quanto em sua manifestação. De fato, o quatro comporta a dupla idéia de unidade e de totalidade ou, se preferirmos, o conceito de que a totalidade das coisas se oferece sob o signo do quaternário e que essa totalidade é una em seu princípio, razão pela qual deveríamos falar estritamente de uni-totalidade.
    É importante lembrar que ao quatro se junta freqüentemente o cinco, na medida em que este representa o centro, seja o da cruz, do qual partem os quatro braços, seja o do quadrado, no qual se cruzam as diagonais.
     O cinco não é tanto a unidade do quatro, mas sim o lugar por onde passa o eixo perpendicular (zênite-nadir) que completa a manifestação horizontal do quatro e remete ao que está aquém e além dele: a quinta-essência da alquimia ou o quinto elemento da figuração chinesa. Esse centro oferece a particularidade de ser ao mesmo tempo pleno (ele é a totalidade potencial do quatro) e perfeitamente vazio (pois transcende o quatro).
 
    Tudo brota dele e tudo se reabsorve nele, num sentido próximo ao do zero ativo, na medida em que o zero é a cifra que as tradições denominaram como o Um-que-não-é (o Um antes da revelação do Um), o Nada supra-essencial, o Deus absconditus de onde emerge o Deus revelatus, a deitas ou deidade, o Nada ou o abismo do divino; em suma, aquele do qual nada se pode dizer sem traí-lo.
    No século 20, C.G. Jung retomou esse conceito do quatro, aplicado às quatro funções psíquicas (pensamento, sentimento, intuição e sensação) e às quatro figuras da anima: Eva, Helena, Maria e Sofia. Todos os quaternários que enuncia estão em relação com o que ele chama de Si (Self), ou imago Dei, arquétipo do pleno e do vazio e, como ele explica em várias passagens, supra-ordenador do conjunto da psique na medida em que, ao mesmo tempo, participa e não participa das manifestações da psique. Nesse sentido é semelhante ao Si-mesmo do hinduísmo ou ao Atma-Brama.
 
O Cinco e o Seis
 
      O número cinco desempenha um papel importante enquanto princípio da ordem, como mostra por exemplo o pentagrama ou pentáculo.
    Quando uma de suas pontas está voltada para o alto, pode nele ser inscrito o homem com sua cabeça, braços e pernas. Já o pentagrama invertido é considerado como signo da magia negra.
 
    A Torá do Antigo Testamento é constituída do Pentateuco, os cinco livros de Moisés. Jesus com cinco pães alimentou quatro mil pessoas. Cinco cruzes são gravadas nas pedras dos altares como lembrança dos cinco estigmas. Para os autores medievais que tratam da simbólica, os cinco sentidos do homem se refletem nas cinco pétalas de inúmeras flores.
    O cinco representa assim o princípio do centro, não só geográfico, mas energético e espiritual. É ele que permite equilibrar e regular o jogo constante do yin e do yang em suas diferentes manifestações e assegurar a unidade do fluxo perpétuo das coisas. O cinco representa a adição do dois, de essência feminina, ao três, de essência masculina. Simboliza, portanto, a totalidade do universo.

      O cinco (wu) era, na China antiga, um número sagrado em razão dos cinco pontos cardinais (o quinto no centro), aos quais correspondiam cinco tons ou notas, cinco costumes, cinco especiarias, cinco classes de animais, cinco relações humanas e os “cinco clássicos”. Os chineses estabeleciam ainda a correspondência dos cinco pontos cardinais com os cinco elementos (madeira, fogo, terra, metal e água), aos quais eram atribuídas cinco cores fundamentais. Os cinco bens da felicidade eram a riqueza, a longevidade, a paz, a virtude e a santidade.
    Na alquimia, por fim, através da quinta-essência, o cinco indica a unidade da Obra além de seus quatro estágios, bem como a unidade espiritual da criação além de seus quatro elementos que constituem a manifestação visível.
    O seis é um número com menor carga simbólica. Designa-se a criação do mundo pelo nome Hexameron (criação em seis dias), pois no sétimo dia Deus repousa após concluir sua obra. (Gênese, 2,3). Santo Agostinho considerava o seis significativo, desse ponto de vista, pois representa a soma dos três primeiros números (1 + 2 + 3), mas sem tirar conclusões a respeito.
    A descrição das seis obras de misericórdia, no Evangelho segundo Mateus (25,35-37), é uma referência relativamente rara com relação ao número seis.
    O único símbolo verdadeiramente importante no Ocidente, baseado no seis, é o hexagrama ou a estrela do “Selo de Salomão”, composta de dois triângulos, com seis pontas que correspondem aos 7 planetas da Astrologia tradicional, menos o Sol. Neste caso é importante lembrar que o Sol ocupa o centro do hexagrama, instituindo o sete como unidade do seis, o que simboliza a multiplicidade da criação.
 
 
O Sete
 
    O sete é o número sagrado mais importante, após o três, nas tradições das civilizações orientais. Nas literaturas suméria e acadiana encontram-se sete demônios representados pelos sete pontos que aparecem na constelação das Plêiades.
Menorá
www.jewishappleseed.org
      Entre os judeus, o setenário oriental se manifesta no candelabro com sete braços (a Menorá) que remete à divisão das quatro fases da revolução lunar (28 ÷ 4 = 7), bem como aos sete planetas.
    No Apocalipse de São João, o sete representa um elemento de estruturação do texto (sete igrejas, sete cornos da besta, sete manifestações da cólera no “livro dos sete selos”).
    Uma cena célebre do Antigo Testamento, baseada no setenário, trata igualmente de destruições realizadas pela cólera divina: sete sacerdotes, munidos de sete cornos de carneiros (schofar) rodearam as muralhas de Jericó durante seis dias. No sétimo dia, “ele contornaram  sete vezes  a cidade” e, quando as trombetas soaram e os israelitas gritaram com força, as muralhas ruíram por terra.
    Na Europa, durante a Idade Média, também se apreciavam essas séries. Havia os sete dons do Espírito Santo, representados na época gótica sob a forma de pombas, sete virtudes, sete artes e ciências, sete sacramentos, sete idades da vida humana, sete pecados capitais, sete preces dirigida ao Senhor no Pai Nosso.

    Pode-se mesmo perguntar se não foi sob o peso dessa tradição que se reconheceram naturalmente sete tonalidades no arco-íris, quando na verdade sabemos, hoje, que o espectro luminoso é contínuo.
    Na China, enquanto número ímpar, o sete está associado ao princípio masculino, yang, mas representa a sucessão de anos da vida da mulher: ao cabo de 2 x 7 anos começa “a vida yin” (primeira menstruação), que termina após 7 x 7 anos (menopausa). O quarenta e nove (7 x 7) aparece também no culto aos mortos, pois a partir do sétimo dia do falecimento e até o quadragésimo nono, eram feitas festas de oferecimentos em memória do defunto. A série de sete planetas é, na China, menos tradicional que a série mais antiga que comporta apenas os cinco planetas e à qual se atribui influência indiana.
    O sete responde a algumas temáticas ou a algumas regras de composição muito precisas. É o caso em relação às quatro fases do mês lunar (crescente, cheia, decrescente e nova), bem como em relação ao número dos céus e dos planetas tradicionais da astrologia (os dois luminares, Sol e Lua, e os cinco planetas visíveis a olho nu, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno). Existem ainda os sete círculos do inferno ou do paraíso de Dante, na Divina Comédia.

    É também o número que unifica os seis elementos anteriores, ultrapassando-os, como pode ser visto na descrição bíblica da criação do mundo, em que Deus repousa no sétimo dia, o que significa o coroamento de seu trabalho. Representa, enfim, a soma do três e do quatro, a trindade e o quaternário, indicando a totalidade do universo em sua dialética do dinamismo que percorre o desenvolvimento de sua manifestação, bem como a união do céu e da terra, do masculino e do feminino.  
    Os diversos significados do setenário são com freqüência entremeados, criando uma infinidade de sentidos possíveis. Os sete dias da semana cristã trazem nomes dos deuses antigos ligados à astrologia (exceto no português). O Selo de Salomão corresponde ao mesmo tempo aos sete planetas e à estruturação em seis elementos exteriores mais o elemento central que é o ouro.
    Um dos significados do sete, quando associado à “sétima casa” do horóscopo, referente ao casamento, pode ser o da esposa “megera”, como Xantipa, mulher de Sócrates, pois os aspectos astrológicos tensos nesta casa indicam disputas.
    Do ponto de vista aritmológico, o sete lunar está inscrito na série 7 – 14 – 28 e, eventualmente, 42 (um mês lunar mais sua metade) enquanto que o sete ligado à adivinhação, ao Além e à unidade encontra sua mais alta perfeição em sua potência quadrada, ou seja, 7 x 7 = 49. São utilizadas 49 varetas para o sorteio do I Ching, ao mesmo tempo em que este é o número axial do Bardo Todol (O Livro Tibetano dos Mortos).
    Na aritmosofia, o sete participa ao mesmo tempo do princípio lunar (pois 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 = 28) e do princípio da unidade através do dez ou da tetraktys de Pitágoras, visto que 28 –> 2 + 8 = 10 –> 1 + 0 = 1.
 
O Oito e o Nove
 
    O número sete, embora tenha um simbolismo bastante rico, muitas vezes é menos levado em conta que o oito. Considera-se, de fato, que a Ressurreição do Cristo e o início da nova era teve início no oitavo dia da Criação, o que explica por que os batistérios têm com freqüência uma forma octogonal.
Rosa dos ventos
http://picturethis.pnl.gov
      As estrelas de oito pontas da arte romana, as rosáceas com oito pétalas e a cruz de malta com oito braços têm o mesmo significado. O budismo repousa sobre o “caminho com oito direções” e o oito é, na China, a assinatura da ordem e da harmonia das coisas. É assim que a rosa dos ventos indica as oito direções, enquanto o Buda se mantém no centro do lótus de oito pétalas ou no cubo da roda de oito raios, do mesmo modo que existem oito caminhos para seguir o Tao.  
Moeda com os 8 trigramas
http://bbs.macmad.org

    No Ming-tang, o quadrado com nove casas, que é equivalente à rosa dos ventos, os quadrados por intermédio dos quais se indicam os pontos cardinais, o quadrado do meio designa o eixo do mundo vertical entre o Céu e a Terra.

      Como o quatro simboliza a Terra, a manifestação (os quatro elementos, os quatro pontos cardinais, etc), quando ela é projetada sobre um plano forma então um quadrado e representa uma superfície (quatro é a potência quadrada do dois, o feminino e o passivo).
    Desse modo, o oito pode também simbolizar a Terra, se for descrito no espaço que ela ocupa, pois o oito é o cubo de dois (23 = 8) e designa por isso mesmo um volume.
    Nesse sentido, o I Ching pode ser considerado perfeito, pois seus 64 hexagramas pertencem à ordem do oito multiplicado por si mesmo.
    O número nove tem por base o número três, do qual é o quadrado, e designa o coro dos anjos e as nove esferas sucessivas do cosmo medieval. Do mesmo modo que o cinco é, na China, o centro dos elementos, o nove é o centro da terra e das oito direções, onde se estabelece a conjunção da Terra e do Céu.
 
O Dez, o Onze e o Doze
 
    O dez é o símbolo da realização e da perfeição que remete à unidade primordial. É a tetraktys dos pitagóricos que se resolve sempre no Um. Podemos somar 1 + 2 + 3 + 4 = 10, e este nos dá, segundo a aritmologia, 1 + 0 = 1. O mesmo ocorre com a soma de todos os elementos do 10, que dá: 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 8+ 9 + 10 = 55 e se reduz a 5 + 5 = 10 e 1 + 0 = 1. Além disso, se somarmos os quatro primeiros números do seguinte modo: (1 + 2) + (3 + 4), perceberemos que o 10 é também a soma dos dois primeiros pares masculino-feminino e que é, portanto, um duplo andrógino, o que o reconecta ao quatro como unidade da manifestação.
    De todos os modos que considerarmos, o dez representa ao mesmo tempo o Todo e o Um, o Um-todas-as-coisas sobre o qual tanto refletiram os últimos neoplatônicos da Antiguidade, conceito que foi amplamente retomado pela meditação alquímica.
    Esse conceito foi tão rico que o filósofo matemático Nicômaco denomina o Dez, no primeiro século de nossa era, com o nome de Pan (Todo), pois “serviu de medida para o Todo como o esquadro e o prumo nas mãos Daquele que tudo ordenou”.
    No judaísmo, nesse mesmo sentido de revelação do divino ou de seus poderes, encontram-se os Dez Mandamentos entregues a Moisés e as dez pragas do Egito que permitiram a fuga dos hebreus, enquanto que o Templo construído por Salomão tem a necessidade de dez véus para ocultar o Santo dos Santos. Do ponto de vista esotérico, considera-se, enfim, que os dez sefirot da Cabala são como uma árvore invertida que tem suas raízes no céu e sua copa na terra, de acordo com os dez nomes misteriosos de Deus.
 
O dez pode ser traduzido
na ressonânica entre a Tetraktys
e Árvore da Vida da Cabala.
[ www.telp.com ]
    Os números simbolicamente significativos que vêm depois do dez são o onze, investido algumas vezes de conotação nefasta, mas sobretudo o doze, ao qual se atribui uma grande importância (número dos signos do zodíaco, base do sistema senário babilônico, número das tribos de Israel e dos apóstolos, etc).
    Doze deuses constituíam, desde o século 5º a.C., o panteão da Grécia: Zeus, Hera, Deméter, Apolo, Artemis, Ares, Afrodite, Hermes, Atena, Hefestos, Poseidon e Héstia, que era com freqüência substituída por Dionísio (Baco).
Os doze apóstolos
[ http://dlibrary.acu.edu.au ]
      Quanto à sua composição, o doze pode ter sido formado tanto pela multiplicação do quatro por três (três vezes cada um dos quatro elementos – fogo, terra, ar e água – que constituem os signos astrológicos) quanto pela multiplicação do três pelo quatro (quatro vezes cada uma das três modalidades dos signos – cardinal, fixo e mutável – ou, em outros termos, pelas três forças: positivo, negativo e neutro). Ele representa, de todo modo, a íntima aliança entre a dinâmica do três e a completude do  quatro.
    As diferentes manifestações do doze – tribos, apóstolos ou signos zodiacais – foram muitas vezes colocadas em relação recíproca por autores cristãos: “Os doze apóstolos têm na Igreja o lugar que os doze signos do zodíacos ocupam na Natureza, visto que, como os signos governam os seres sublunares e presidem sua geração, os doze apóstolos presidem a regeneração das almas” (São Clemente de Alexandria, citando Teodato, o Gnóstico).
    Outro exemplo: “o Cristo é o dia verdadeiramente eterno e sem fim que tem a seu serviço as doze horas nos Apóstolos e os doze meses nos Profetas.” (Zenon de Verona, Tractatus).
    E Santo Agostinho, não teme escrever nas Enarrationes in Psalmos: “Existem doze apóstolos porque o Evangelho devia ser pregado aos quatro cantos do mundo em nome da Trindade: ora, quatro e três dão doze”.
 
Do Treze ao Quarenta
 
    O número treze é quase sempre considerado de mau augúrio. Hesíodo (século 8º a.C.) prevenia os camponeses para não começarem a semeadura no dia 13 do mês. No ano bissexto dos babilônios existia um 13º mês colocado sob o signo do “corvo de mau augúrio”.
    O Diabo teria sido o décimo terceiro convidado ao sabá dos doze feiticeiros. Judas, o décimo segundo apóstolo e portanto o décimo terceiro participante da Ceia, na instituição da eucaristia pelo Cristo, trairia seu mestre por trinta dinheiros e acabaria por se enforcar ao se consumar o sacrifício de Jesus na cruz. Como é necessário, no entanto, que os apóstolos permaneçam doze, ele será substituído por Saulo, que passará a ser chamado de Paulo após sua iluminação.
    Outras interpretações, que vão além da falta e da infelicidade, aparecem igualmente para o treze. Enquanto número da morte, pode também significar a morte simbólica que muda o Ser de nível, que leva portanto ao renascimento e leva o homem a alcançar os mistério do céu: parece ser este o sentido mais profundo da carta 13 do Tarô.
 

O diabo e a meretriz do Apocalipse
Detalhe do afresco de Luca Signorelli,
I Dannati dell'Inferno (1499)
Catedral de Orvieto, Capela de San Brizio

[ http://www.liberliber.it ]
    Assim como o 5 era a unidade central do 4, e o 9 a do  8, pode o 13 ser considerado para o 12 como o Cristo em relação aos apóstolos ou Iahweh para seus profetas. O treze pode, enfim, completar o doze introduzindo-o em uma outra dimensão: é assim que aos doze descendentes de Jacó se junta uma décima-terceira criança, sua filha Diná, do mesmo modo que, nos Evangelhos, vem juntar-se aos doze apóstolos a misteriosa figura de Maria Madalena.
    Vinte e quatro é o número das horas de um dia e dos anciãos no Apocalipse de São João (4,4). Ele está intimamente ligado ao doze por ser evidentemente o seu dobro, mas também, segundo os cálculos da aritmosofia, a metade: 24 --> 2 + 4 = 6, que é a metade de doze. O vinte e quatro é assim um “enquadramento” do doze, e é sem dúvida por isso que, no sistema de cálculo senário (de base 6) e em relação aos doze signos do zodíaco que eles conheciam perfeitamente, os astrólogos babilônios introduziram os 24 “Juízes do Universo”, ou seja, 24 estrelas, das quais 12 se encontram ao sul e doze ao norte”.
    O vinte e seis representa na Cabala a soma das cifras do tetragrama sagrado (as quatro letras do nome de Deus JHVH, ou seja: 10 + 5 + 6 + 5 = 26).
    Vinte e oito, que representa um mês lunar e corresponde igualmente ao número de letras do alfabeto árabe, é evidentemente 4 x 7 e 2 x 14, o que explica por quê Osíris, deus da Lua, reinou por 28 anos antes de ser desmembrado por seu irmão Set em quatorze pedaços. Mais tarde ressuscitado por Isis, ganhou o Amenti, que é composto por quatorze regiões, para lá julgar as almas dos defuntos cercado por 42 deuses.
Jesus jejuou por 40 dias
"A tentação de Cristo",
por Ary Scheffer, séc. 19
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      Trinta e três recebeu um significado particular no cristianismo por ser a idade de Jesus no momento de sua morte. Indica o número de cantos na Divina Comédia de Dante, bem como os degraus da “escada mística” na teologia bizantina.
    Quarenta é o número da prova, do jejum e da solidão. Segundo os preceitos bíblicos, a mulher que acaba de dar à luz deve permanecer 40 dias no isolamento. Entre os gregos, o repasto fúnebre se desenrolava por quarenta dias e quarenta noite.
    Moisés esperou pelo mesmo lapso de tempo no Monte Sinai que Deus proclamasse seus mandamentos. A travessia dos filhos de Israel pelo deserto durou quarenta anos, bem como o jejum de Jesus após o batismo durou 40 dias, tal qual a quaresma do ano religioso.
    Sto. Agostinho considerava quarenta como o próprio número da peregrinação neste mundo inferior e da espera pelo Reino.
    A alquimia retomou esse significado ao indicar que tanto a obra em negro (nigredo: prova e sofrimento) quanto o conjunto da obra (peregrinação da alma e a espera do ouro filosofal) exigem a duração de quarenta dias.
 
O par e o ímpar
 
    Do ponto de vista da simbólica dos números, o par e o ímpar constituem um “casal” de opostos. O melhor exemplo talvez seja uma passagem da Metafísica de Aristóteles, em que ele se inspira em certas considerações de Pitágoras: “Os elementos dos números são o par e o ímpar. O par é inacabado, o ímpar é completo. O Um participa do dois, por ele ser ao mesmo tempo par e ímpar”.
    Esta oposição não é a única, pois Aristóteles cita em relação ao ímpar atributos ou idéias como o Um – o repouso ou o bem – enquanto que o par  tem a ver com o múltiplo (todo número par é um múltiplo de dois, e o dois representa uma adição do um consigo mesmo), com o movimento e com o mal.
    É nesse linha de considerações que reencontramos a temática do Diabo, o “dia-bolos”, que quebrou a unidade e começa por isso mesmo o trabalho do múltiplo e de seus antagonismos. [Já num sentido oposto, "sim-bolo" traduz a idéia de reconhecimento, de nexo.]
    Mas como se pode explicar que o Um está ao lado do ímpar e que participa do par e do ímpar?
    A distinção que se pode introduzir aqui é, de um lado, a do Um que de acordo com a aritmética participa do par e do ímpar, visto que ambos procedem desse um, e de outro lado o Um metafísico, ou Mônada, que só pode estar ao lado do completo e do bem, ou seja, da perfeição, portanto do ímpar.
 
O diabo e a mulher à cavalo
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      Para representar o número cinco, por exemplo, pode-se dispor dois pontos na vertical de um “ponto de origem”, o um, e dois outros pontos na horizontal. Tem-se assim cinco pontos que se articulam em torno do um original, num fenômeno de simetria. Por essa razão o um era considerado como equilibrado e completo.
    Com relação ao primeiro “casal” de opostos podemos acrescentar um segundo, que é o do Um (ímpar) com o quatro (par), na medida em que Pitágoras sempre afirmou que a tétrade era a própria figura da perfeição. Para compreender esta afirmação, é necessário saber que a tétrade é essencialmente compreendida no plano metafísico no qual ela designa a completude de todas as possibilidades de existência ou, dito de outro modo, a estrutura da manifestação do Um no universo sensível.
    Já a mentalidade moderna, ao contrário, tem a tendência de valorizar o par que é simétrico por definição, divisível por dois (6 = 3 + 3), enquanto que o ímpar é sempre desequilibrado (7 = 6 + 1 ou 5 + 2 ou 4 + 3).
    Segundo os comentários de  Teão de Esmirna, um é o ponto do partida do qual tudo é gerado, o dois corresponde à linha, o três à superfície e o quatro ao volume que engloba definitivamente e recapitula as três outras figuras. Pelo fato de gerar as categorias metafísicas das coisas, o um é assim perfeito; e porque essas categorias estão todas compreendidas no quatro,  torna este número perfeito enquanto manifestação do Um.
    No plano da psicologia das profundezas, C.G. Jung retomou essas intuições pitagóricas em sua utilização do quaternário, ao afirmar que traduz a manifestação da unidade primordial. Ele se apóia, nessa firmação, sobre o axioma alquímico de Maria Profetisa: “O um torna-se dois, o dois torna-se três e do terceiro nasce o um como o quatro”. Nos dois casos estamos diante de uma conjunção de opostos, ainda se levarmos em conta que em todos os sistemas simbólicos conhecidos, da China às Américas, o ímpar é tradicionalmente masculino e o par, feminino.
O conteúdo apresentado em "Números: história e simbologia", foi traduzido
e compilado por Constantino K. Riemma e revisado por Bete Torii, a partir
de diferentes verbetes extraídos de: Encyclopédie des Symboles, de Michel
Cazenave
, France, Pachothèque, 1996, ed. original; e de Knaurs Lexikon der
Symbole
, de Hans Biedermann, München, Ed. Garzanti, 1989.
As fontes das ilustrações reproduzidas aparecem nas respectivas legendas.
 
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