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  | Cristianismo, breve história espiritual e política | 
 
  
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    | Uma religião sempre começa com  uma iniciativa do mundo espiritual, seu fundador é um enviado. Seu início é o  mais alto possível depois do que o movimento está à mercê da história humana  com todos os conflitos imagináveis. | 
   
  
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    | O cristianismo tem uma história  singular, pois devido ao estado espiritual reinante no Império Romano há em seu  nascimento um caráter de urgência e emergência ausente em outras religiões: | 
   
  
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    | 1.  Jesus  pregou por apenas três anos e foi condenado e morto por conflitos políticos,  caso único. | 
   
  
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    | 2. A religião  foi pregada em aramaico, escrita em grego e difundida em latim; sendo que estas  línguas não tinham equivalentes para o conceito de pecado, para dar ideia da  dificuldade. | 
   
  
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    | 3. Em todas  as religiões multinacionais há expressas prescrições sobre a ordem social,  podemos varrer o Novo Testamento, será em vão. Tudo teve que ser criado e  improvisado no debate com o estoicismo, filosofia dominante na época. A  cosmologia foi calcada no judaísmo e Agostinho legou uma antropologia bastante  pessimista. | 
   
  
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    | 4. O  cristianismo dos três primeiros séculos foi uma coleção desnorteante e  heterogênea de movimentos, doutrinas e organizações. Restam ainda algumas  evidências: as igrejas cristãs do Egito, Etiópia, Armênia, Síria e Líbano  mantém suas próprias liturgias até hoje.   Grupos ebionitas, nestorianos e monofisistas ainda estão atuantes. | 
   
  
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    | 5. O  cristianismo se propagou inicialmente nas cidades, entre artesãos e escravos,  isto levou a uma ênfase na doutrina básica em detrimento do desenvolvimento  espiritual pleno. Mas em “São Paulo” podemos ver claramente a distinção de  níveis (leite para as crianças, carne para os adultos). A nova religião  sobreviveu graças à disposição ao martírio e à rede de solidariedade, fenômeno  novo à época. [1] | 
   
  
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                | Efígie bizantina do imperador Constantino  | 
               
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                | Atualmente muitos consideram que  o triunfo cristão provocou a perda de tradições preciosas, mas isto é uma ilusão!  Basta recapitularmos brevemente a história da religião romana: tinha raízes nas  tradições indo-europeias (os mitologemas de fundação), mas era basicamente uma  religião cívica com ênfase nos cultos (públicos e privados) e nos augúrios, com  parca bagagem doutrinal.[2] Até mesmo a hierarquia de seu panteão os romanos tomaram emprestado aos gregos.  Em momentos de crise importaram muitos cultos orientais (Cibele, no século III,  e Baco no século II AC). Durante a guerra civil que precedeu Otávio Augusto, o  problema do Destino e da Fortuna atormentou os romanos e atraiu adivinhos para  as praças públicas. Durante o Império ocorreram a divinização dos césares e  mais importação de cultos orientais: Ísis, Mitra, Sol Invictus etc. No século  II a manutenção do Império já requeria grandes esforços nas fronteiras, a  literatura declina bruscamente e a filosofia estoica já não produz nenhuma  grande obra. Em Alexandria começam  recolher  a  herança na coleção dos | 
               
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    | papiros  herméticos e no desenvolvimento do neoplatonismo. É preciso ainda lembrar que a  feitiçaria corria solta, a arte do envenenamento progrediu, bem como o  ceticismo (Lucrécio) e os cultos orientais eram celebrados como exotismos  estimulantes contra o tédio. O Satyricom de Petrônio e as Metamorfoses, de  Apuleio oferecem um bom panorama.[3] | 
   
  
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    | Quem estivesse em Roma não  apostaria nem um centavo no triunfo da nova religião, oriunda dos judeus (um  povo estranho e insubmisso na visão das autoridades romanas, ver Tácito, por  exemplo), pregada por um homem supliciado na cruz (máxima humilhação) e  propagando a igualdade (máxima heresia para os romanos). E no entanto triunfou,  o que é uma evidência de ação espiritual, mas a que preço! O cristianismo foi  chamado para brecar a dissolução do Império, virou uma religião de Estado no  começo astronômico da era de Peixes. Seu  primeiro concílio (Nicéia) foi convocado e dirigido por Constantino, e a Igreja  modelou-se a partir do Estado: suas dioceses adaptavam-se às divisões  administrativas do Império e a Igreja romana constitui-se (caso único) como  Estado, com seu monarca, senado e burocracia.  | 
   
  
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                | Quinhentos anos depois da queda  de Roma, a Igreja ainda sonhava com a restauração no Sacro império germano-romano (coleção de centenas de marcas, ducados, principados e cidades livres),  o que resultou numa confusão permanente entre os poderes temporais e  espirituais, que estudamos na escola como a querela das investiduras (quem  investe quem e quem arrecada o quê). A desorganização na Europa prosseguiu até  o século X com os ataques e correrias promovidas pelos mulçumanos, eslavos,  magiares e vikings. Durante este tempo os mosteiros foram verdadeiros refúgios  de civilização com suas bibliotecas, sua autonomia econômica, além de usinas  espirituais e o grande trabalho missionário no norte. | 
               
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    | O cristianismo oriental (língua  grega) teve outro destino, esteve diretamente atrelado à sorte do Império  Bizantino, propagou-se pelos Balcãs em direção à Rússia, produziu teólogos  notáveis (os Gregórios), uma espiritualidade profunda e ao menos um místico  notável: o pseudo-Dionísio, um monge sírio que escreveu tratados sobre os  mundos celestiais, com forte impacto na Europa. Em 1054, Roma e Constantinopla  desentenderam-se sobre um credo teológico e questões de jurisdição, depois, no  século XIII, por ocasião da quarta cruzada, os barões europeus saquearam a cidade, selando  a ruptura entre as duas correntes cristãs. | 
   
  
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    | O auge da Cristandade | 
   
  
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    | No século XI o cristianismo  estava suficientemente forte para absorver influências de outras culturas: a  iniciação da cavalaria germânica, a cultura céltica no ciclo do Graal, o  esoterismo islâmico nas cortes de Amor provençais. As catedrais românicas e  góticas testemunham as glórias do esoterismo maçom nas suas plantas, vitrais e  esculturas. Com o estímulo das Universidades apareceram intelectuais do nível  de Alberto Magno, Roger Bacon, Tomás de Aquino, Lúlio; e místicos do porte de  São Francisco e Eckhart, além de uma coleção incrível de místicas como  Hildegard, Brígida, Juliana e Catarina de Siena. Esta exuberância foi empanada  pela forma desastrada na organização das Cruzadas, no modo de combate às  heresias (Inquisição e reabilitação da tortura), nos debates sobre as riquezas  da Igreja (franciscanos e movimentos populares) e na leniência em relação ao  antissemitismo. | 
   
  
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                | Cavaleiro templário em juramento | 
               
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                | No início do século XIV ocorreu  uma transformação radical: a velha pendência entre os poderes foi resolvida, o  temporal triunfou. Felipe, o Belo, não apenas destruiu a Ordem dos Templários  como interveio diretamente na organização da Igreja e na mudança de sua sede. A  partir de então a religião tornou-se uma doutrina justificadora das nascentes  monarquias nacionais, perdeu sua independência e capacidade de arbitrar  conflitos, a ideia de Cristandade definhou. Este século foi particularmente  trágico com secas e muitas mortes por inanição e pela peste Negra, além do  início da guerra dos Cem anos. As monarquias ibéricas arrancaram uma bula do  Vaticano regularizando a escravidão de africanos e montaram suas próprias  inquisições para liquidar  seus  adversários,  apesar de todas  | 
               
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    | as reclamações dos papas  quanto aos procedimentos. A burocracia das igrejas nacionais ficou cada vez  mais sujeita aos reis. O Renascimento foi, na essência, um movimento de  secularização e anticristão, e a Reforma só acelerou o processo com o estímulo  ao individualismo e ao livre exame.  | 
   
  
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    | As igrejas reformadas foram estatizadas e  as guerras religiosas mataram milhões de pessoas (1550-1650), além de atiçarem  os processos contra a feitiçaria.[4] Então o processo de secularização deu um passo adiante: o núncio papal foi  despachado das conversações de paz que se seguiram à Guerra dos Trinta Anos. No  século XVIII, monarcas católicos expulsaram a Ordem dos Jesuítas e obtiveram do  Papa sua extinção, além de fecharem mosteiros por serem dispendiosos e inúteis.  A passividade do Vaticano diante deste  processo foi trágica, pois quando o Iluminismo ascendeu nenhuma mediação era  mais possível: a Igreja ‘infame’ defendeu o Antigo Regime até o final. | 
   
  
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    | Enquanto isto o cristianismo  oriental sofreria novo baque com a conquista turcomana de Constantinopla e o  posterior assédio na Europa do leste. E, no entanto, sobreviveu; o sistema  descentralizado de patriarcados mostrou-se muito útil diante desta adversidade  e grupos cristãos puderam continuar sua marcha no Oriente Médio dominado por  uma potência mulçumana. Estão lá até hoje e conservam suas liturgias. Neste  tempo os cristãos europeus iriam iniciar sua expansão ultramarina do que  resultaria um catolicismo sincrético na América Latina e uma verdadeira  proliferação de igrejas reformadas nos EUA. A descoberta do Novo Mundo trouxe a  primeira fenda na visão baseada na Bíblia: os ameríndios, de onde vieram, de  que filho de Noé eles descendiam, tinham notícias do Dilúvio? As tentativas de  evangelização no mundo islâmico e na Ásia apresentaram poucos resultados e  provocaram profundos ressentimentos.[5] | 
   
  
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    | A Igreja e as práticas esotéricas | 
   
  
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    | O cristianismo teve que suportar  outra singularidade, desta vez anômala. Conforme explicado acima, todas as  religiões têm organizações para quem quer se aprofundar na espiritualidade, sem  que isto encerre conflito agudo. Foi o caso da Qabbalah judaica e dos grupos  sufis islâmicos que deram temas, cantos litúrgicos, pensadores e místicos  amplamente reconhecidos. No cristianismo estes grupos afloraram rapidamente (séc.  II), mas ao invés de trabalharem em sintonia, entraram em choque com o corpo da  Igreja: repudiaram o Velho Testamento e o martírio, advogaram mulheres no  sacerdócio e concorreram aos cargos hierárquicos, como o de Bispo (Valentino em  Roma). Foram os grupos gnósticos, cujas doutrinas acolheram ecos de hermetismo  e dos cultos dos Mistérios, num momento em que a Igreja ainda não tinha  organização estabelecida e lutava tenazmente pela sobrevivência, a questão do  martírio era essencial e a afirmação do livre arbítrio resultou no combate ao  fatalismo imperante na época. A questão dos gnósticos voltou à tona com a  descoberta dos papiros em Nag Hammadi, e outra vez os textos são tomados por  biografias verídicas quando são documentos religiosos de um grupo cristão  egípcio, escritos duzentos anos depois da morte de Jesus.[6] | 
   
  
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    | Durante toda a Idade Média os  camponeses continuaram com seus rituais de fertilidade e festas, vindas da mais  remota antiguidade. Os padres católicos e os ministros protestantes descobriram  surpresos que o mundo rural europeu tinha apenas um verniz cristão e partiram para  campanhas de evangelização, a partir do sec. XVI quando usaram e abusaram do  terror do inferno e da figura do diabo, a pastoral do medo.[7] Nos últimos séculos  medievais, a Europa recebeu um grande fluxo de manuscritos versando sobre  alquimia, magia e astrologia, vagalhão só estancado no século XVII pelas  monarquias que viam nestas práticas incentivos para a rebelião política.[8] | 
   
  
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    | Hermes Trimegisto – Mosaico na Cadetral de Siena | 
   
  
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    | Da magia cerimonial renascentista  publicaram-se livros e artigos que preencheriam uma biblioteca. Apesar de  alguns trabalhos valiosos, que estudam a conexão disto com o nascimento das  modernas ciências empíricas, o essencial da coisa é perdida, pois os autores  ignoram completamente a hierarquia dos saberes tradicionais, onde a magia cerimonial  é um saber experimental do mundo intermediário, quer dizer ocupa um posto  inferior. Além disto, agora era praticada por indivíduos solitários para  aliviar as agruras da vida, em total consonância com o humanismo renascentista.  Os autores renascentistas, que desde Ficino, se ocuparam com os textos  herméticos não se deram conta da data de redação e muito menos do grau de  iniciação que eles comportavam, com práticas meditativas insinuadas. Mas nestas  alturas pouco se sabia na Europa sobre estas atividades. A abordagem da  Qabbalah, por autores cristãos, também ignorava totalmente o lado prático desta  corrente esotérica. Assim que o  racionalismo se espalhou a partir do século XVII, a magia foi considerada uma  ilusão deplorável, uma quimera insensata e uma exploração da credulidade  humana. Naturalmente isto é uma tolice, a magia é perfeitamente real e possível  em determinadas condições psíquicas que já eram raras no Renascimento. A  feitiçaria foi declarada problema médico. É uma grande ironia que dois  católicos ortodoxos (Descartes e Marsenne) tenham combatido o hermetismo  renascentista e criado o moderno racionalismo mecanicista que muito colaborou  para a dessacralização. | 
   
  
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    | A astrologia teve outro destino,  também foi combatida como tolice humana, mas ela estava ligada à prática da  medicina, agricultura e metereologia, o que dificultou sua extinção: os  calendários anuais astrológicos continuaram a ser publicados. Ademais, era uma  época de grande transformação social e as preocupações sobre o destino e a  fortuna eram generalizadas. O Tarô, cujos primeiros baralhos foram impressos no  século XV, prosseguiu sua carreira silenciosamente e só tornou-se objeto de  consideração teórica no século XVIII. | 
   
  
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    | A Igreja romana não tentou  reprimir estas manifestações, ao contrário acatou algumas: símbolos zodiacais  estão presentes nas esculturas das catedrais e os herméticos também, a partir  do Renascimento. O estilo greco-romano foi absorvido por toda arte visual  cristã no período com total apoio papal: uma verdadeira revolução acontecia com  a cumplicidade do Vaticano, pois apesar da temática religiosa esta arte visual  dessacralizava o mundo.[9] A passividade da Igreja era grande e isto se refletiu na vida intelectual: nem  sombra dos grandes intelectuais cristãos dos séculos XII e XIII. Mesmo no  aspecto místico ocorreu um declínio, San Juan de La Cruz e Teresa D’Ávila foram  os últimos no século XVII. Daí em diante a Igreja esteve intelectualmente na  defensiva, tratando a Bíblia como depositária de ensinamentos astronômicos,  históricos, geológicos etc. Foi o caminho para um conflito com as nascentes  ciências empíricas que provocou mais confusão e isolou a Igreja dos  intelectuais laicos. A partir do final  do século XVIII o mundo ocidental foi moldado totalmente por forças seculares:  liberais, positivistas e toda gama de socialistas. | 
   
  
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    | O cristianismo estava  completamente despreparado para o mundo moderno oriundo da revolução industrial  e do Estado laico. Finalmente ganhava independência, mas penou um bocado: a  urbanização acelerada encontrou a Igreja com poucos sacerdotes, ideologias  laicas antagônicas (liberalismo, socialismo e anarquismo) repudiaram sua  presença. As congregações (marianas, sagrado coração) foram essenciais, pois a  frequência aos cultos e sacramentos caíra muito no sec. XIX. Batalhas amargas  sucederam-se pelo controle da educação primária. As visões de Anna Emmerich e  as aparições da Virgem em Lourdes deram fôlego à devoção. No século XX, a  Igreja finalmente se deu conta de que o Antigo Regime estava destruído e não  havia volta: teria que aprender a atuar num mundo já secularizado, o que foi  tema essencial no Concílio Vaticano II, na década de 1960. | 
   
  
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    | Os ataques à religião cristã | 
   
  
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    | Há um campo do saber que produziu  toneladas de papel impresso, o campo dos estudos bíblicos. Por ironia ele teve  seu início com um livro de um padre oratoriano, Richard Simon, que lançou em 1678  o livro “História crítica do Velho  Testamento”, onde constatava que os textos sagrados estavam repletos de  contradições e repetições, sendo resultado do trabalho de vários autores em  diferentes épocas. Ainda estamos nisto, e os escribas modernos debatem se a  passagem X é de origem javista, eloísta ou sacerdotal. Uma leitura literal e  naturalista dos textos é um contrassenso e quem insistir nisto achará muitas  contradições. Assim, a história da Criação é repetida no segundo capítulo do  Bereshit (Gênesis) e o nome de Deus muda, Elohim no primeiro e Iaveh no  segundo. Veem aí uma acomodação entre dois relatos diferentes, mas não é nada  disto: são dois mundos diferentes! O primeiro é Beriah (espiritual) e o segundo  refere-se à Yetzirah (formação, psíquico), daí a mudança do nome divino. Quanto  às repetições, os autores modernos parecem ignorar que os textos eram entoados  de forma detalhada, as repetições fazem o papel de refrão e que o som tem  qualidades psíquicas fundamentais. Somente uma leitura espiritual resolve estas  dificuldades e teria evitado polêmicas desnecessárias. O livro de Simom fez  parte de um grande movimento tentando tornar o cristianismo racional, isto é,  expurgá-lo de todo o mistério. No século XVIII a luta tornou-se abertamente  política na França, com Voltaire e os enciclopedistas. | 
   
  
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                | Durante o séc. XIX expandiu-se  o conhecimento sobre as antigas civilizações e os paralelos com os textos  bíblicos levaram ao questionamento sobre sua inspiração e singularidade. A  geologia firmou-se como ciência e começou a recuar o tempo tradicional da Terra  e do Cosmo. Arqueólogos e paleontólogos encontraram os primeiros hominídeos e  Darwin lançou seu famoso livro defendo a unidade dos seres vivos a partir de um  ancestral comum, diversificando-se através da seleção natural até produzir o  ser humano. A tudo isto a Igreja Católica reagiu com anátemas, silêncio e  sempre defensivamente, a ponto de lançar um movimento neotomista para  confrontar problemas inteiramente novos, o que foi insuficiente. E para  culminar convocou um Concílio que acabou por proclamar a infalibilidade papal,  para pasmo e escárnio dos livre-pensadores. A proclamação de Nietzsche sobre a  morte de Deus apenas culminou um século de ataques. | 
               
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                Famosos  iluministas do século XVII:  
                  Voltaire, Rousseau e Benjamin Francklin | 
               
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    | O resultado deste declínio  religioso foram as matanças e horrores da primeira metade do século XX.  Naturalmente os iluministas repudiam tal conexão, mas de que outro jeito  explicar a recaída na barbárie? Novamente aqui os intelectuais cristãos  brilharam pela ausência, e o assunto foi tratado por um grande poeta cristão,  T. S. Eliot, em cuja obra a modernidade e suas ruínas são claramente tratadas  como frutos do declínio religioso. Nada que pudesse se equiparar ao trabalho de  De Maistre, um século antes. Entre os autores esotéricos destacou-se Rudolf  Steiner que viu e promoveu a singularidade do cristianismo. | 
   
  
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    | Os Evangelhos são textos  religiosos e dão escassas informações biográficas sobre Jesus. A medida que o  individualismo prosperou e o interesse por novelas aumentou, as perguntas  apareceram: como foi a infância de Jesus, e a adolescência? Esteve ligado a  grupos religiosos? Como se isto tivesse qualquer importância para o  entendimento da doutrina pregada. A curiosidade não é de hoje, pois escritos  apócrifos muito antigos já abordavam estas questões. Na ausência de documentos  os contemporâneos deram tratos à bola e criaram biografias fantasiosas,  especialmente a partir da década de 1970, quando foi lançado o livro “Jesus viveu na Índia”, do teólogo  alemão Holger Kersten. Ele observou  certas semelhanças na vida de um cultuado guru indiano, Issa, cujo túmulo  encontra-se em Caxemira e deduziu que Jesus teria sobrevivido à crucificação e  terminado a vida na Índia. Se ele tivesse se dado ao trabalho de ler uma História  das Religiões veria imediatamente que há um número grande de arquétipos na vida  dos deuses, heróis e salvadores. Depois disto, muitos livros e filmes abordaram  o assunto e em todos sempre o mesmo objetivo: humanizar Jesus, esquecendo a  questão espiritual. | 
   
  
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    | Diante da avalanche de ceticismo,  baseada em controvérsias científicas, alguns cristãos levantaram dinheiro em  fundações para achar Sodoma e Gomorra no mar Morto, vestígios da passagem  judaica no Sinai, os restos da arca de Noé no monte Ararat, o Jardim do Éden no  Iraque, o lugar onde João Batista pregava e batizava no Rio Jordão, as casas  dos apóstolos, etc. Sem notarem que isto é o triunfo completo do materialismo.  Não vemos judeus, mulçumanos ou budistas fazendo isto. A TV a cabo está repleta  de documentários tentando provar que esta ou aquela passagem da Bíblia está  correta, que aconteceu verdadeiramente. Quem assim pensa e se preocupa já não  entende que estes textos não são historiografia e biografia: muito mais  importante que verificar a realidade dos fatos do livro do Êxodo, é compreender  que se trata do relato de uma grande iniciação: deixar a escravidão para ir à  Terra prometida, há aí dezenas de sentidos alegóricos. O mesmo pode ser dito a  propósito das parábolas de Jesus que são tomadas apenas num sentido moral,  quando na realidade vão muito além. | 
   
  
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    | Procura de vestígios da passagem judaica no Sinai. | 
   
  
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    | Ao insistir nos cultos e na moral  e deixar a doutrina espiritual ao relento, os cristãos viram seus  contemporâneos e conterrâneos cada vez mais interessados nas religiões  orientais e seus esoterismos. Desde o Renascimento muitos europeus se dedicaram  a ler, reler e espremer manuscritos de tradições mortas na esperança de  preencher um vazio. O que resultou disto foi um bazar esotérico sincrético,  onde cada um faz o arranjo que lhe convém, e cujos resultados não são muito  promissores. Mesmo o transplante de tradições vivas é sempre complicado: o  budismo tibetano é esplendoroso, resultado de séculos de história envolvendo um  modo de vida, uma língua, uma culinária, enfim, uma cultura que não é possível  transplantar para outros lugares. Agora  temos uma doutrina védica anódina para ocidentais e taoísmo para executivos. | 
   
  
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    | Numa era de comunicações de  massa, os cristãos tentaram uma atualização problemática com pastores  televangélicos patrocinando shows de milagres e teologias de prosperidade para  os mais desamparados. A onda propagou-se para a América Latina no vácuo criado  pela abolição da Teologia da libertação e das comunidades eclesiais de base, e  agora o movimento ruma à África. Os católicos debatem-se com pedofilia em suas  próprias fileiras, com a ascensão do movimento gay, métodos contraceptivos, novidades  em biotecnologia e outros fenômenos da modernidade. Os cristãos orientais,  minoria no Oriente Médio, sofrem em meio ao tumulto dos conflitos da área e se  transformam em bodes expiatórios. | 
   
  
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                | E com todas as adversidades,  erros de direção, intolerância, evangelização forçada e passividade  intelectual, as igrejas cristãs estão abertas, uma clara evidência de que o  Espírito continua presente. Ao criticá-las é preciso ter cuidado para não se  pôr ao lado daqueles que clamaram por Barrabás. É preciso abrir novamente os  textos e começar a inquiri-los de modo apropriado, há riquezas inexploradas e  insuspeitas. Os cristãos têm um tesouro nos textos e depoimentos de autores  medievais, eles são praticamente inacessíveis. Apesar de tudo, se há alguma  civilidade na moderna vida ocidental isto é herança dos preceitos éticos  cristãos, longe dos quais prosperam a gratificação instantânea, rédea solta aos  impulsos e meliâncias de todos os tipos; pois sem religião a moral torna-se  utilitária. | 
               
              
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                | Para aqueles que se interessam  vivamente pela formação de Jesus, os Evangelhos dão as pistas: os profetas  babilônicos (Ezequiel e Daniel) que empregaram a expressão ‘Filho do Homem’, as  correntes apocalípticas judaicas e as iniciáticas, expressas de modo  | 
             
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    | claro na  famosa passagem da conversa com Nicodemos sobre a questão dos dois batismos.  Nossos amigos espíritas interpretaram equivocadamente a referida passagem como  alusão à reencarnação, quem conhece um pouco da história das correntes  iniciáticas de então, não tem nenhuma dúvida. Houve um ensinamento especial e  diferenciado no início para os mais próximos discípulos, os textos mostram; São  Paulo, Clemente e outros atestam. Para vencer o secularismo da modernidade é preciso  oferecer alimento sólido e é bom se apressar, pois se a profecia de São  Malaquias for real restam somente dois papas antes da crise. | 
   
  
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                | Referências | 
               
              
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                1. Há muitas versões da história cristã à venda, uma  concisa, mas abrangente e razoável é: ROGIER, L.J. AUBERT, R.; KNOWLES, M.D  (org.). Nova história da Igreja.  Petrópolis: Vozes, 1983/4, cinco volumes.  
As periodizações e articulações conceituais são de minha responsabilidade. | 
               
              
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                2. DUMÉZIL, Georges. La  religion romaine archaique. Paris: Payot, 1974.  
O texto no original pode ser encontrado na internet. | 
               
              
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                | 3. ELIADE,  Mircea. Paganismo, cristianismo e gnose na época imperial. In História das crenças e ideias religiosas.  Rio de Janeiro: Zahar, 1983, t. 2, v. 2, pp. 130/164. | 
               
              
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                | 4. Assunto bem complexo. As primeiras perseguições datam do  final das cruzadas contra os cátaros, nova onda seguiu-se às insurreições camponesas  do século XIV, e as guerras religiosas no século XVI levaram a perseguição ao  paroxismo. A explícita misoginia do movimento pode ser entendida como reação à  valorização feminina no movimento trovadoresco e na grande devoção à Virgem. | 
               
              
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                5. Para a  colonização do mundo islâmico ver:  
SAID, Edward. Orientalismo. São  Paulo: Cia das Letras, 1996. Para o Oriente ver: 
PANIKKAR, K.M. A dominação ocidental na  Ásia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. Especialmente o capítulo “As  missões cristãs”. | 
               
              
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                | 6. Ver o capítulo já mencionado de Mircea Eliade. Para uma  panorâmica dos manuscritos e questões pertinentes ver: PAGELS, Elaine. Os evangelhos gnósticos. São Paulo: Cultrix, 1990. | 
               
              
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                | 7. Dulemeau,  Jean, História do medo no ocidente (1300-1800), São Paulo: Cia das Letras,  2009. | 
               
              
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                8. Para uma  visão da atuação de astrólogos e esotéricos na revolução inglesa de 1648, ver: 
HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça. São Paulo: Cia das Letras, 1987.  
Para a repressão de tais movimentos ver:   
FOUCAULT, Michel. História da loucura.  São Paulo: Perspectiva, 1987, especialmente o capítulo “A grande internação”. | 
               
              
                 | 
               
              
                | 9.   Titus Burckhardt tratou do tema em diversas obras dedicadas ao tema da arte  sacra, um exemplo é Principes et méthodes  de l’art sacré. Lyons: Derain, 1958.  | 
               
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    janeiro.12  | 
   
  
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    Contato com o autor:
            Rui Sá Silva Barros, astrólogo e mestre em História,  
            participa 
            do  Clube do Tarô 
            com estudos sobre símbolos e 
             apresenta crônicas mensais no Fórum  A Torre de Babel.
             rui.ssbarros@uol.com.br
      Outros trabalhos seus no  Clube do Tarô:  Autores  | 
   
  
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