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26 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


Era de Aquarius
É preciso uma nova mentalidade para evoluir
Simone Gomes Omega
Quem acompanha meus textos aqui no Clube do Tarô, sabe que costumo analisar letras traduzidas de Heavy Metal. Por que faço isso? Primeiro por ser meu gênero favorito de música e, depois, porque os autores costumam explorar temas que nos fazem refletir sobre política e história mundial – são muito comuns as críticas sociopolíticas –, mitologia, sobre nós mesmos, nossa espiritualidade e como encaramos a existência ou não de outra vida após esta. Alquimia, Esoterismo, Fantasia, Magia, Ocultismo e Tarô também são temas muito explorados pelos letristas.
Geralmente faço essas análises numa tentativa de explorar ao máximo a essência de cada letra. É claro que posso deixar algo passar, pois além de não querer fazer uma análise definitiva, o texto estará sempre aberto a novas perspectivas e leituras.
A letra escolhida dessa vez é uma letra complexa, pois de acordo com algumas análises que li, aborda momentos da política mundial e os relaciona com os quatro Cavaleiros do Apocalipse. Porém para que não fique um texto muito longo, me basearei apenas no livro do Apocalipse e no simbolismo de cada cavaleiro.
* * *
Quando pensamos em religiões ou espiritualidade, vez ou outra, perguntamos para nós mesmos e para os outros: algum dia nós alcançaremos a paz mundial tão desejada? Será possível um diálogo interreligioso entre as principais lideranças? O preconceito e as discriminações finalmente desaparecerão? Ainda podemos acreditar que a atual situação melhorará e realmente viremos como civilização, como sociedade organizada? As religiões têm devolvido para seus fiéis o “prêmio” de acordo com sua atuação assídua e sua fé inesgotável? Haverá de fato uma terra prometida?
Algumas dessas questões podem ser vistas em uma composição que Bruce Dickinson e Roy Z construíram de maneira crítica e coerente com o nosso tempo. Escrita em 1997, Darkside of Aquarius, parece ter sido composta ontem levando em consideração a triste atualidade dos pontos aqui levantados. Assim, para um maior entendimento da letra da música, proponho uma análise como a que já fiz em outros artigos. Darkside of Aquarius pode ser vista como um contraponto de Nova Era, da banda de Power Metal Angra.
Se Nova Era celebra a vida mostrando-nos que precisamos encontrar um sentido para as nossas vidas, abrir nossas mentes para um novo modelo de consciência encarando as dificuldades com coragem, de modo que nada possa nos desanimar quando se trata de alcançar nossos objetivos, Darkside of Aquarius, como o próprio título sugere, trata de uma época difícil e de escuridão. Darkside of Aquarius é a 5ª canção do álbum Accident of Birth, 4º álbum de estúdio da carreira solo de Bruce Dickinson, lançado em 1997.
Capa do Álbum e a Banda de Bruce Dickinson
Capa do Album Accident of Birth (1997), de Bruce Dickinson, e a Banda
na época do lançamento do álbum: Roy Z (guitarra), Bruce Dickinson (vocal),
Adrian Smith (guitarra), David Ingraham (bateria) e Edddie Casillas (baixo).
Os Cavaleiros estão chegando!
Já na primeira estrofe temos que “O primeiro cavaleiro do inferno chega, em asas de fartura no escuro / Derrama seu veneno enquanto deixa sua marca / Os fascistas do leste estão chegando, mães, escondam seus filhos”.
O primeiro cavaleiro – que teria aparecido em um cavalo branco –, de acordo com o livro do Apocalipse seria o responsável por trazer a paz (representada pela cor branca), porém seria uma paz ilusória e disfarçada. Esse cavaleiro teria o poder de conquistar. De acordo com a Bíblia, “a fonte do mal é a ambição de poder e de conquista (primeiro selo), que geram a guerra e a competição”, o que confirma a ideia da paz disfarçada, como podemos ver no trecho: “Vi então quando apareceu um cavalo branco. O cavaleiro tinha um arco, e deram para ele uma coroa / Ele partiu vitorioso para vencer ainda mais” (Ap 6, 2).
Na segunda estrofe temos que “O segundo cavaleiro do inferno chega, de mares ardentes e areias escaldantes / O flautista toca a mando do inferno / Derrama seu veneno, com suas promessas de terras prometidas / Enegrecendo as línguas dos líderes mentirosos”.
Quatro cavalos
Imagem em https://unitedstatesprophecy.com
No livro do Apocalipse, o segundo cavaleiro teria aparecido em um cavalo vermelho, como podemos ver na passagem: “Apareceu então outro cavalo, era vermelho. Seu cavaleiro recebeu poder pra tirar da terra a paz, a fim de os homens se matarem uns aos outros. E entregaram para ele uma grande espada” (Ap 6,4). Neste caso a cor vermelha simboliza crueldade, carnificina, guerra, poder, egoísmo e ódio.
O verso “Aqui vão os cavaleiros enquanto a roda do Dharma está fora de seu compasso / Aqui vão os cavaleiros enquanto a roda do Dharma está fora de seu compasso” é repetido para enfatizar que enquanto os cavaleiros passam, isto é, enquanto a guerra e a competição ocorrem, a roda do Dharma sai de seu compasso, pois de acordo com o Budismo, Dharma significa Lei Natural, Realidade, O Caminho para a Verdade Superior, a própria roda da vida, que deve ser trilhado mediante a difusão da paz, da harmonia, da perfeição e da libertação do sofrimento e da ignorância. Neste verso, temos que a ideia de paz mundial e libertação da tirania prescrita pelo Dharma dá lugar à guerra e à destruição.
O Triunfo da Morte de Bruegel
"O triunfo da morte", pintura de Pieter Bruegel, representando a fome,
a guerra, a peste e a morte mencionadas no Apocalipse.
Na terceira estrofe “O terceiro cavaleiro do inferno chega, ensinando irmãos a se matarem / E o quarto cavaleiro aguarda com uma viagem ácida para um mundo ácido / Guerras de velhos idiotas religiosos e homens supersticiosos / Jogue algumas assustadoras cartas de Tarô e...”.
No verso “E o quarto cavaleiro aguarda, com uma viagem ácida para um mundo ácido”, “viagem ácida” e “mundo ácido” podem ser compreendidos como aquilo que corrói, magoa, fere, e finalmente, destrói, como são os resultados obtidos por qualquer tipo de guerra. Então, o quarto cavaleiro “espera”, isto é, apenas assiste a promessas de paz e mudanças que nunca são concretizadas, como por exemplo, em relação às religiões que ao invés de tentarem um caminho e um diálogo para a paz mundial, dão espaço para a intolerância e o ódio entre as nações, como fica claro no verso “Guerras de velhos idiotas religiosos e homens supersticiosos”.
Esse momento da letra pode estar relacionado com a guerra travada entre os líderes religiosos e os “supersticiosos”, pois há uma “batalha travada” entre os líderes das principais igrejas dogmáticas contra os esotéricos que pregam o advento da Nova Era, isto é, período marcado pela igualdade e desenvolvimento espiritual e intelectual, pela fraternidade universal em oposição às religiões dogmáticas organizadas – simbolizado pelo peixe. A Nova Era seria o “derramamento de água”, isto é, a vinda de um novo “espírito”, uma nova “mentalidade”, simbolizados pelo aquário. A Nova Era proporcionaria, ainda, à maioria dos seres humanos, a descoberta, a verdadeira vivência e o real conhecimento dos ensinamentos cristãos mais profundos e interiores. Além disso, as cartas do Tarot podem funcionar como um alerta: A Morte, O Diabo, A Torre (ou Guerra).
Cartas do Thoth Tarot de Crowley
Trunfos do Thoth-Crowley Tarot
De acordo com O Livro de Thoth, de Aleister Crowley (1944), a carta A Morte, como o próprio nome diz, representa a mudança inesperada, a dissolução, o fracasso, a morte propriamente dita. A carta O Diabo está relacionada com a ruína, o fracasso, a violência, a falta de ética e de princípios, enquanto que a carta A Torre – também chamada A Guerra – prenuncia a adversidade, a miséria, a ruína, a destruição, o colapso. Assim, podemos perceber que as características que essas cartas simbolizam estão relacionadas com os conflitos religiosos e espirituais ainda muito presentes entre as pessoas.
Conforme o livro do Apocalipse, o terceiro cavaleiro teria aparecido em um cavalo negro e o quarto cavaleiro em um cavalo verde, como podemos ver nos trechos a seguir: “[…] Apareceu então um cavalo negro. O cavaleiro tinha na mão uma balança. Ouvi uma voz que vinha do meio dos quatro Seres Vivos e dizia: ‘Um quilo de trigo por um dia de trabalho! Três quilos de cevada por um dia de trabalho! Não danifiquem o óleo e o vinho!’ ” (Ap 6,5-6). “Vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu cavaleiro era a Morte. E vinha acompanhado com o mundo dos mortos. Deram para ele poder sobre a quarta parte da terra, para que ele matasse pela espada, pala fome, pela peste e pelas feras da terra” (Ap 6,8).
Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, de Matthias Gerung.
"Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse" de Matthias Gerung
Com a quarta estrofe “Aqui vão os cavaleiros, enquanto a roda do Dharma está fora de seu compasso / Aqui vão os cavaleiros, enquanto a revolução está seguindo a sua linha / O lado negro de Aquarius tem roubado nossas almas e mentes / Aqui vão os cavaleiros, enquanto a roda do Dharma está fora de seu compasso”, novamente temos a informação de que a roda do Dharma não está “funcionando” direito, como explicado anteriormente, pois o que impera na mente das pessoas é exatamente o lado negro de Aquarius (“O lado negro de Aquarius tem roubado nossas almas e mentes”). Ou seja, a ideia de igualdade, fraternidade e a possibilidade de uma vida com menos dificuldades e problemas daria lugar à guerra, à destruição, à intolerância religiosa, e finalmente, à morte. E não apenas à morte física, mas à morte espiritual, à morte de sonhos, esperanças e da tão sonhada paz mundial.
Na quinta estrofe “Do céu iluminado, em um mar de prata / Um solitário surfista prateado, chega para impulsionar a roda para mim / Um solitário surfista prateado, chega para impulsionar a roda para mim” Roda do Dharma, ou seja, “a difusão da paz, da harmonia, da perfeição e da libertação do sofrimento e da ignorância”, como dissemos acima. No Dicionário de Símbolos, prata simboliza sabedoria divina, boas intenções, purificação e uma consciência limpa, como a Roda do Dharma sugere como devemos seguir nosso caminho.
Oito Caminhos da Roda do Dharma
Representação da Roda do Dharma
Ilustração em https://espaco-nova-lua.pt
É preciso girar direito a Roda do Dharma!
O verso “Tem que girar, tem que girar, tem que impulsionar esta roda direito / Tem que girar, tem que girar, tem que impulsionar esta roda direito” é repetido como se fosse um apelo, chamando a atenção de todos – aqui poderia ser colocado o plural, isto é, todas as pessoas de todas as nações – para o fato de que é preciso “impulsionar” e fazer “girar” direito a Roda do Dharma para que os objetivos citados no parágrafo anterior possam ser, de fato, alcançados.
Os versos seguintes “Tem que empurrar a roda do Dharma direito / Empurre a roda do Dharma direito / Empurre a roda do Dharma direito / Empurre a roda direito, direito agora, sim” nos transmitem, de forma insistente e necessária no contexto da letra, as mesmas mensagens dos versos anteriores: é preciso girar direito, de forma correta a Roda do Dharma.
Na última estrofe, com os versos “Eu tenho que girar a roda do Dharma, tenho que girar a roda do Dharma / Tem que girar a roda do Dharma, girar esta roda direito / Tem que girar a roda do Dharma, tem que girar a roda do Dharma agora”, o narrador deixa claro que ele precisa girar a Roda do Dharma – aqui ele se coloca como singular “Tenho que girar a roda do Dharma” – pois o bom funcionamento da Roda também depende dele, de forma individual, ou seja, é como se cada um fizesse a sua parte em benefício do todo. E assim, o narrador termina com os versos “Tem que girar a roda do Dharma, girar esta roda direito / Tem que girar a roda do Dharma, tem que girar a roda do Dharma agora” nos lembrando de forma enfática, mais uma vez, que precisamos girar direito a Roda do Dharma. A hora é agora!
Podemos, ainda, traçar um paralelo entre os versos das três últimas estrofes com a abertura do sexto selo do Apocalipse e o Dharma, pois no livro de São João, houve um clamor da parte de todos, “os reis da terra, os magnatas, os capitães, os ricos e os poderosos, todos, escravos e homens livres, esconderam-se nas cavernas e rochedos das montanhas, clamando aos montes e pedras: ‘Desmoronem por cima de nós, e nos escondam da Face daquele que está no trono, e da ira do Cordeiro. Pois chegou o grande Dia de sua ira. E quem poderá ficar de pé?’” (Ap 6, 15-17). Como o livro do Apocalipse trata do julgamento do homem e de sua salvação, entendemos que esse clamor ocorreu porque, de acordo com o livro, a história do homem foi marcada pelo mal, que se traduziu na busca pelo poder, resultando em guerras, fome, doenças e finalmente a morte, acontecimentos estes que podem ser vistos como o resultado de mal “funcionamento” da Roda do Dharma.
Então, para que o lado negro de Aquarius não se manifeste e para que possamos evoluir espiritualmente, alcançar a paz e a harmonia de que tanto falamos e ouvimos falar, podemos dizer que a coisa mais acertada a fazer, como dizem insistentemente os autores da letra, é girar direito a Roda do Dharma!
 
Referências:
BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Paulinas, 1990.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009 (verbetes: vermelho e prata).
CROWLEY, Aleister. O livro de Thoth: um curto ensaio sobre o tarô dos egípcios. 1944. Arquivo em PDF.
http://forum.hangarnet.com.br/index.php?showtopic=24856. Acesso em 01/05/2017.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Darma. Acesso em 27/05/2017.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Era_de_Aquarius. Acesso em 02/05/2017.
https://pt.wikipedia.org/wiki/New_age. Acesso em 01/05/2017.
https://www.letras.mus.br/bruce-dickinson/10810/traducao.html. Acesso em 27/05/17.
Simone Gomes Omega
gommes78@gmail.com e
www.facebook.com/simonegomes78
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
Edição: CKR – 27/08/2017
  Baralho Cigano
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