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26 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


 
O Tarô em Pessoa
 
Uma interpretação da Mensagem
do grande poeta português
 
Por
Leonardo Chioda
 
 
 
Fernando Pessoa
Arte nas ruas de Lisboa
pelo artista Jef Aerosol
http://www.flickr.com/photos/jefaerosol
      Fernando Pessoa é místico por natureza. Também por palavras, por astros e heterônimos, os quais lhe desdobram em mil e expressam vidas exclusivas, como cada lâmina de baralho. Atuam e interferem umas nas outras, oferecendo destinos, orientações e outros símbolos. Mais e mais símbolos, cada vez mais.
    Geminiano, dedicou-se ao estudo da filosofia clássica e contemporânea, sofrendo influências de Baudelaire e do movimento simbolista quando começou a escrever. Pinceladas e abismos de ocultismo se destacam em toda a sua obra. Caminho mágico, caminho alquímico. Transmutações de sua própria personalidade. Como astrólogo, introduziu Plutão às cartas. Daí o caráter revolucionário, influência direta do planeta – desbravador de novos mares, tanto os literários, lingüísticos quanto os esotéricos e até mesmo pessoais.
    Modernista, investe palavras na Orpheu, uma publicação mais que curiosa para quem tem os olhos atentos de cartomante. Na ilustração de capa da primeira edição, assinada por José Pacheco, vê-se uma
mulher entre duas velas, como se fossem pilares – nítida associação com a Sacerdotisa do tarô, a Senhora dos Mistérios que, em “O Último Sortilégio” da obra ortônima “Cancioneiro”, marca presença nos versos de uma iniciada. Eles descrevem práticas de magia ritualística, que Pessoa conhecia muito bem.
Revistsa Orfeu      Fernando Pessoa
Capa da Revista Orpheu e matéria publicada em 1928
    Aliás, a amizade com Aleister Crowley não pode deixar de ser mencionada. Entre mapas, nevoeiros e auroras douradas, o encontro em Lisboa foi pra lá de obscuro. Fico aqui pensando que Psiquetipia foi escrito logo depois de ter conhecido e analisado não só a carta natal, mas os modos e os arcanos nas mãos do mago, mesmo que seja assinado pela pena de Álvaro de Campos.

    “Conversa perfeitamente natural... Mas e os símbolos?
    Não tiro os olhos de tuas mãos... Quem são elas?
    Meu deus. Os símbolos... Os símbolos...”


    Sempre me questionei: “qual teria sido o contato de Pessoa com o tarô? Como, aliás, perceber os arcanos em uma obra tão vasta, tão interrogativa e enigmática?” Pois bem, a resposta estava na própria pergunta. O tarô é um enigma se pensarmos em sua trajetória histórica, esotérica, simbólica. O poder das imagens que se tornam palavras. Palavras que traduzem imagens. Próprias. Íntimas. Secretas.
    Bom, se penso nos símbolos, sigo as pistas. Afinal, “tudo são símbolos”. Reparo, então, na famosa anotação que antecede o livro Mensagem, escrita especificamente para decifrar o conteúdo da obra, recheado de sinais divinos e patriotas.
    Na verdade, este documento parece ter sido escrito especificamente para os profissionais e estudantes dos arcanos. Longe, então, das intenções sebastianistas e nacionalistas que o autor propôs ao seu estudo, a nota se torna um exercício de interpretação ou mesmo um manifesto que contribui à codificação das cartas e à
 
Fernando Pessoa e Crowley
Pessoa e Crowley,
por Jésuz Fernández Jiménez
http://www.jjfez.com
compreensão do caráter essencialmente polissêmico de seus símbolos.
 
Nota Preliminar
Fernando Pessoa
Apontamento s.d., não assinado
Comentários de Leonardo Chioda
    “O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige que o intérpreteo tarólogopossua cinco qualidades ou condições, sem as quais serão, para ele, mortos, e ele um morto para eles.
    A primeira é a simpatia, em grau de simplicidade e conformidade com as citações. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar. Nesse quesito se enquadra a escolha adequada do baralho, a plenitude e sinceridade do desejo de optar pelas imagens a que se propõe a analisar.
 
Fernando Pessoa por Biratan
Fernando Pessoa,
por Biratan
http://www.biratan.com.br
  A atitude cauta, a irônica, a deslocada – todas elas privam o intérprete da primeira condição para poder interpretar. Cabe aqui a postura de respeito e fidelidade aos arcanos e à prática oracular. Somente a verdadeira vontade e de constantes e sérios estudos é que as imagens passarão a fluir na alma e no cotidiano do indivíduo disposto.
    A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. A dedicação autêntica e continuada das análises promove insights, aberturas mentais e emocionais a outros níveis de interpretação e de capacidade narrativa, mas não nasce repentinamente; quando plantada, exige cultivo e cada arcano espalhado sobre a superfície de leitura. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento em que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja. Noções diversas sobre diversas situações,explicações e captações lingüísticas por meio da arte – eis
a finalidade desta condição. Há de se tomar cuidado com projeções que se jogam ao olho mental, iludindo os menos e os muito preparados.
    A terceira é a inteligência. A inteligência analista decompõe, ordena, constrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que se usou da simpatia e da intuição. Essa é a premissa básica para estabelecer associações entre as cartas e a cultura, a realidade palpável, às paisagens, aos fatos históricos e até aos imaginários. A inteligência arcana se traduz em criatividade lúdica, representativa e inovadora de quaisquer elementos que se queira abordar simbolicamente.
Fernando Pessoa no Chiado       Fernando Pessoa - Faculdade de Letras de Lisboa
Estátua de Fernando Pessoa, no café "A Brasileira", no Chiado, Lisboa (à esq.) e
"Heterônimos de Pessoa" por Almada Negreiros, na Faculdade de Letras de Lisboa (à dir.)
    Um dos fins da inteligência, no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixoo próprio ofício d´O Mago. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não estiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.
Fernando Pessoa - Mago-por Leonardo Chioda
O Mago Poeta,
de Leonardo Chioda.
A partir da pintura de Almada Negreiros, de 1954
      Eis então o próprio ofício do leitor, que deve aproximar, com estilo, a vida estática das estampas às horas da vida material, sentimental e espiritual para extrair lições e orientações quando solicitadas.
    A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. O poder da analogia e da convergência entre disciplinas, conceitos e sistemas diferentes. Alude ao estudo interdisciplinar ao qual o tarô é sujeito, já que trabalha a interdependência simbólica e a evolução de significados sem alterar, diretamente, o fenômeno analisado. Não direi a erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese, e a compreensão é uma vida. Compreender o tarô demanda tempo, demanda vidas. Exige paciência e a uma determinada carga cultural do estudante, que assimila emoções, desejos e impressões às cartas. Seriam elas uma síntese do mundo? Seriam potenciais, tendências da realidade através dos tempos? Ou então a memória do divino universo da alma? São questões precisas que promovem respostas individuais e coletivas. Assim, certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houve antes, ou ao mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes. Daí a importância dos
estudos de literatura, filosofia, de religiões e de história da arte e do mundo. Para que os arcanos sejam “inteiros” nas mãos leigas, faz-se necessária a longa jornada de pesquisa – das origens de tais signos e significantes, de suas migrações e transformações ao longo dos séculos e das diferentes concepções artísticas. Esta quarta condição, que acaba sendo rara e verdadeira qualidade, apenas se torna nítida com o passar do tempo, quando desenvolvida e concretizada a intimidade e o gosto por deitar as lâminas. Exige, portanto, maturidade, coerência e olhos livres. É a interpretação da vida. A compreensão dos mecanismos que sustentam o espírito do universo – sobretudo o humano.
  Cartas de Leonardo Chioda   Assinatura de Fernando Pessoa  
Baralho "Fernando Pessoa & Cia" (esgotado) e a assinatura de Fernando Pessoa
    A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.”
    Menos definível porque, como a Beleza, insinua-se para poucos; apenas para as almas despertas. Menos definível pois só é constatada quando se joga e quando se escreve. É a transcendência do tarô. O dom de manipular as palavras – escritas e faladas que nascem da observação das cenas ilustradas em cada peça. Augúrios e presságios que são sussurrados e afloram no tempo certo. Qualidade de quem decodifica seus símbolos mais íntimos e os respeita. Como cartas. Como vidas. Como divindades. Como magia. Como profissão. A própria adivinhação e as revelações que indicam o norte ao consulente. Rotas de orientação que quando contempladas, oferecem conselhos e escolhas. Ferramenta do destino, alegoria da imaginação.
    Símbolos. Pessoas.
 
    Livros recomendados
Pessoa, Fernando. Mensagem. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor.
Editora Martin Claret, São Paulo, 2007
Pessoa, Fernando. Poesias Ocultistas, 2ª edição.
Editora Aquariana, São Paulo, 1996.
    Sites
Artigo de Izabel Margato - Cátedra/PUC-Rio.
http://www.letras.puc-rio.br/Catedra/revista/9Sem_11.html
Obra poética de Fernando Pessoa - Revista Agulha.
http://www.revista.agulha.nom.br
março.08
Contato com o autor
Leonardo Chioda - www.cafetarot.com.br
Outros trabalhos seus no Clube do Tarô: Autores
  Leonardo Chioda é tarólogo, escritor e ambientalista. Estudioso e praticante do tarô desde a pré-adolescência, tem se aprofundado no simbolismo das cartas e nas Artes como formas de abordagem, expressão e análise do homem e do mundo. Mantém o blog Café Tarot, onde publica as relações e analogias entre os arcanos e a cultura pop, a ecologia, a literatura, a espiritualidade e as artes visuais.  
    
 
 
 
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