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26 de abril de 2024

Responsável: Constantino K. Riemma


 
I Ching: edição completa, por Alfred Huang
Bruno Bazzoli
 
 
Pequena raposa, quase do outro lado do
rio, molha a cauda. Nada é desfavorável.
 
Trecho do hexagrama
64: Ainda Não Realizado
 
Alfred Huang foi submetido a trabalhos forçados na China em 1957. Nove anos depois foi preso e condenado à morte. Permaneceu preso até 1979, quando emigrou para os Estados Unidos, pesando na época incríveis 37 kg. Durante os vinte e dois anos de confinamento, mesmo não se lembrando mais de cada um dos 64 hexagramas, Huang  apoiou-se no I Ching para sobreviver, acreditando no princípio taoista de que “todos os acontecimentos, quando chegam ao seu extremo, dão origem ao seu oposto”.
Huang aprendeu I Ching com o Mestre Yin, no início dos anos 60, ao lado de outras duas pessoas: Dr. Ting Jihua, médico chinês, e o professor Liu Yen-wen. Mestre Yin na época já tinha mais de 80 anos e quis então passar adiante seu conhecimento e sabedoria acerca do I Ching. Pouco depois, Yin e Dr. Ting morreram e Liu tentou o suicídio. Coube a Huang dar sentido aos ensinamentos recebidos.
Essa história é contada logo nas primeiras páginas do livro “I CHING – A Edição Definitiva Pelo Mestre Taoista Alfred Huang”, disponível no Brasil pela Martins Fontes.
Huang - capa do livro e título do hexagrama 1
Capa do Livro de Alfred Huang e exemplo de titulo para os textos dos hexagramas
Não sou um especialista no assunto, muito longe disso. Na verdade, neste momento ainda estou jogando minhas primeiras moedas e tomando contato com esse antiquíssimo oráculo. Foi nessa busca de principiante por uma bibliografia básica que cheguei até o livro de Huang. A maioria das referências apontam para a tradução de Richard Wilhelm, “I Ching – O Livro das Mutações”, Ed. Pensamento. Porém, por alguma força indefinida eu me senti mais atraído pelo livro, digamos, menos clássico. Talvez por conta da vontade de “descobrir” algo. Enfim, esses caminhos sinuosos são muito recorrentes durante os estudos oraculares, como já percebi antes. Em um primeiro contato até me pareceu um pouco presunçoso o subtítulo que indicava “a edição definitiva pelo mestre…”, mas coloquei na conta do marketing e segui em frente. Afinal, que mal há em fazer um pouco de propaganda?
Antes de começar a escrever esse pequeno texto eu senti que seria uma boa prática jogar e sentir o que o I Ching indicaria sobre essa missão de escrever sobre um assunto tão profundo e milenar, ainda que fosse apenas uma resenha. O resultado foi o hexagrama 64, o último, chamado Wei Ji e traduzido para o português no livro de Huang como “Ainda Não Realizado” (veja o texto completo). Acho que cabe aqui um parêntesis: praticamente todo o desafio de Huang foi justamente traduzir para o inglês textos escritos em chinês antigo e outros sequer escritos em língua alguma, fazendo parte, nesses casos, da tradição oral passada de mestre para discípulo. Algo muito complicado de fazer, como se pode imaginar. No nosso caso ainda temos mais uma passagem, que é a da “tradução” da língua inglesa para o português, realizada por Cássia Maria Nasser e revisada por Luiz Gonzaga de Carvalho Neto e Marcelo Brandão Cipolla. Nesse ponto, apenas confio que a editora, a tradutora e os revisores tenham feito um bom trabalho.
Dito isso, voltemos ao resultado do jogo. Impressionante como o hexagrama “Ainda Não Realizado” retrata de uma forma clara como a água limpa o exato momento do consulente, no caso eu próprio, diante da pergunta. O jogo foi feito antes mesmo de começar a escrever estas linhas, quando havia somente a ideia. É claro que a interpretação não para por aí. Então vou usar esse exemplo para explicar um pouco sobre como o livro de Huang está organizado para ensinar o I Ching.
Há muitas maneiras de desdobrar o I Ching. Quando o leigo visualiza seis linhas, ora contínuas, ora interrompidas, umas sobre as outras, possivelmente não faz ideia dos caminhos para os quais essa estrutura pode levar. O livro oferece explicações bem didáticas, incluindo detalhes sobre o significado dos ideogramas (o desenho correspondente a cada hexagrama), os nomes em chinês e em inglês dos hexagramas (ou em português, no caso da tradução brasileira), o nome dos dois trigramas que compõem o hexagrama (em chinês e em português), explicações e comentários de Confúcio, a interpretação do Rei Wen (chamada também de “decisão”) e a interpretação do Duque de Zhou para cada uma das seis linhas. Por fim, ainda há um guia de referência para “estudos avançados”, ao término de cada capítulo/hexagrama. Esse é o conteúdo fundamental do livro. Há também técnicas para jogar, de modo que se torna possível chegar a um resultado prático apenas com a leitura, se assim o leitor desejar.
Rei Wen, Duque Zhou e Confúcio
Rei Wen, Duque de Zhou e Confúcio
Ilustrações em:   www.en.wikipedia.org/wiki/King_Wen_of_Zhou,   www.shanglei.net   e   www.gradesaver.com
Se você nunca teve contato com o I Ching talvez esteja se perguntando quem foram essas pessoas. O livro também passa pela história e dá a sua versão. Muito resumidamente, podemos dizer que a origem está no sábio Fu Xi, que desenhou os oito trigramas. Depois, o Rei Wen desenvolveu os 64 hexagramas e, mais tarde, o Duque de Zhou e Confúcio formaram o I Ching, adicionando comentários e orientações. É sabido que o Rei Wen viveu por volta de 1100 a.C. e Confúcio por volta de 550 a.C. Ou seja, fica impossível precisar a origem exata de uma tradição tão distante.
Voltando para o resultado do meu jogo: alguns insights foram bastante interessantes. “A sucessão dos acontecimentos não tem fim. Assim, depois de Já Realizado, no fim, vem Ainda Não Realizado.” Essa é a explicação de Confúcio para a transição do hexagrama anterior (“Já Realizado”) para este. Pareceu-me uma síntese de todo o conceito do próprio I Ching, também chamado de “O Livro das Mutações”. Nada é permanente, assim como todo fim é um novo começo. Trazendo esse conceito para a minha leitura, consigo olhar para a superfície (“você ainda não terminou/começou”) como também mais profundamente (“nunca vai terminar de verdade, ainda que as etapas tenham uma conclusão”).
O livro também pontua o equilíbrio presente nos dois hexagramas finais. Talvez seja só um certo deslumbramento de quem viu uma coisa muito legal pela primeira vez, mas achei incrível a comparação destes com os dois hexagramas iniciais, “Iniciar (seis linhas contínuas ou yang) e “Corresponder (seis linhas interrompidas ou yin), ou seja: aquilo que no começo é extremo, no final é equilíbrio, pois os dois hexagramas finais apresentam linhas yang e yin alternadas. Muito significativo, não é mesmo? Pelo menos foi a minha impressão. Outras correlações são demonstradas, de modo que a leitura, assim como o próprio conceito, não tem fim.
Huang - títulos dos hexagramas 2 e 63
Titulos de hexagramas: 2. Corresponder (Princípio Receptivo) e 63. Já Realizado (Após a Conclusão)
Já terminando essas minhas impressões iniciais sobre o livro, outro desdobramento tradicional da leitura é a transformação do hexagrama original em outro hexagrama, em função das linhas móveis. Não vou aqui entrar nos detalhes, pois não é bem o objetivo do texto. Para os iniciantes, fica a dica de pesquisa (e assim também não tomo o tempo dos iniciados). O negócio é que nessa minha leitura pré resenha o meu segundo hexagrama foi o de número 7, chamado por Huang de “Multidão” (veja o texto completo). Outra particularidade que vale a pena comentar é exatamente a tradução diferente dos “clássicos” para alguns hexagramas. Nesse caso Wilhelm e Blofeld traduzem Shi, o nome em chinês, para “Exército”. O legal é que essa informação está no próprio livro do Huang, assim como a explicação sobre  porquê entendeu que deveria traduzir de outra forma. Nesse caso, o autor explica que, em chinês antigo, Shi significa multidão enquanto, modernamente, significa exército. Traduzir como “multidão” enfatiza o agrupamento de um número grande de pessoas, não necessariamente uma organização militar. E na sequência vem uma explicação baseada no ideograma que justifica o uso da “multidão”. Obviamente não tenho a menor condição para avaliar qual alternativa é a melhor, se é que há alguma. Mas confesso que simpatizo pelas explicações dadas pelo autor.
Encontrei poucas referências a respeito desse livro. Já não é mais tão novo, pois a primeira edição (em inglês) data de 1998 e a primeira edição brasileira é de 2007. Talvez o marketing que sobrou no subtítulo tenha faltado em outros aspectos importantes como divulgação e distribuição. Encontrei, sim, uma crítica bastante negativa de um tradutor inglês chamado Stephen Karcher. Hoje em dia parece que falar mal é quase uma obrigação, então não vejo muito crédito nessa solitária avaliação.
De qualquer forma, acredito que essa tradução é uma obra bastante útil para quem quer se embrenhar nesse oráculo milenar. E, para “terminar”, uma parte do comentário de Confúcio sobre o Símbolo do hexagrama 64:
“O homem superior distingue minuciosamente a natureza das coisas e mantém cada uma delas em sua posição adequada”.
Revisão: Ivana Mihanovich
Edição: CKR - setembro.15
Contato com o autor da resenha:
Bruno Bazzoli - www.facebook.com/akhenatontarot
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